Nenhum político quer mais contar segredo ao telefone e já reage desconfiado quando houve um ruído suspeito durante conversa pelo celular.
Um dia depois do escândalo do grampo afastar a cúpula da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), congressistas preocupados em não revelar segredos pessoais e da profissão pensam duas vezes antes de abrir o verbo. A paranóia com escutas ilegais atingiu níveis psicanalíticos desde a reportagem da revista Veja sobre o grampo ilegal em telefonema do presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Gilmar Mendes.
"Ficou todo mundo neurótico no Brasil. Ninguém aqui fala mais no telefone, há medo até de ligar para a mãe", brincou o deputado Gustavo Fruet (PSDB-PR), revelando a dimensão da neurose que tomou conta dos gabinetes na capital.
O receio de espionagem não é novo na política brasileira, mas foi multiplicado com a denúncia de que a Abin teria implantado escutas telefônicas para monitorar Mendes, ministros de Estado e políticos do governo e da oposição. "O meu telefone, de tão grampeado que está, já virou uma rádio comunitária", disse o ministro das Relações Institucionais, José Múcio Monteiro, apontado pela reportagem como uma das autoridades ilegalmente monitoradas.
Há políticos que já mandaram trazer dos Estados Unidos aparelhos antigrampo. Outros deputados contrataram empresas no Brasil para criptografar telefones celulares e fixos. O governador de Minas Gerais, Aécio Neves, é conhecido pelo cuidado que tem em conversas telefônicas. Ele segue o conselho do avô Tancredo, que jamais revelava segredos ao telefone. O tucano José Serra (governador de São Paulo) não fica atrás. Ele frequentemente evita confidências ao telefone, prefere falar pessoalmente ou por email.
Big Brother
Um dos parlamentares da tropa de choque da oposição na CPI dos Correios, o deputado Onyx Lorenzoni (DEM-RS) aposta que é um "alvo", jargão usado na espionagem para se referir à pessoa grampeada. Todas as manhãs, quando fala ao telefone, dá "bom dia" aos arapongas.
Até o presidente da Câmara, que conta com uma varredura regular feita pela polícia legislativa à caça de grampos, não se sente à vontade. "Frente às sucessivas evidências, ninguém se sente seguro, e eu não sou diferente", disse Arlindo Chinaglia (PT-SP).
Há quatro tipos básicos de grampos: o de rede telefônica, conectado a um gravador; o de transmissores FM, colocado dentro do aparelho ou na linha telefônica (funciona sem fio a uma distância de 500 metros); o grampo ambiental e o portátil.
Contra essas tecnologias, a liderança do PMDB da Câmara está bem equipada. Há no gabinete uma salinha pequena à prova de arapongas. Apelidada pelos próprios parlamentares de "confessionário", o cubículo é o espaço mais concorrido para quem quer tratar de assuntos sem ser descoberto. "Estamos em um big brother", resumiu o líder do PT, deputado Maurício Rands (PE).
Fonte: Reuters