Na história da educação brasileira poucas vezes se discutiu tanto a gestão escolar democrática. Acerca desse tema, retratado e problematizado em situações do âmbito da educação pública tocantinense, correlacionados com aspectos históricos e nacionais. Isso sob a ótica de um professor que vive 60 horas semanais na sala de aula há 10 anos na educação básica.
O viés que busco seguir, por mais que traga em sua gênese toda a militância e a práxis das experiências vividas, tem por objetivo ampliar o debate acerca da importância da democracia nos espaços públicos educacionais.
Quando criança, adorava jogar futebol nos finais de semana usando a quadra da escola Pública na qual estudava. Lembro-me bem da dinâmica para conseguir a liberação para jogar. Falávamos com a “tia” caseira do colégio e essa ligava para diretora que, via de regra, a orientava a propor uma troca: nossas horas da boa e velha pelada na quadra por uma limpeza coletiva da arquibancada. Fazíamos com gosto e depois jogávamos até cansar. Carregávamos um sentimento de que a gestora da escola era a autoridade máxima daquele ambiente e nutríamos por ela um enorme respeito e admiração. Hoje, me pego a pensar sobre a importância da autoridade e autonomia do gestor educacional e sua direta influência na democratização do ambiente escolar. E inquieto-me ao deparar com a atual situação dos Diretores das Escolas Públicas do Tocantins.
Não raro, o espaço escolar é um ambiente de interesse político uma vez que agrega centenas ou milhares de alunos em uma convivência diária, por anos, colabora na formação de valores intelectuais e princípios dos jovens e adolescentes, norteia comunidades inteiras, que muitas vezes, tem na escola o único local de socialização e lazer. Sabedores dessa importância, muitos políticos têm transformado esse ambiente em um espaço de disputa, dominação, desvirtuando o que era para ser político em uma relação politiqueira.
Assim, evidencia-se a necessidade de avançar no que tange ao caráter da gestão educacional das unidades públicas de ensino do Tocantins. Para um sistema que garanta maior autonomia, pluralidade e diversidade dos agentes envolvidos que se aproxime minimamente de algo democrático. Apenas a fim de uma definição menos superficial, tomaremos o tema Gestão Escolar Democrática sob o seguinte aspecto: “A concepção democrática de escola respeita o educando como ser único que constrói seu aprendizado e é capaz de encontrar a melhor maneira para construir seus conhecimentos, sendo que o professor nessa concepção é o mediador, que proporciona vários meios de aprendizagem, caminha junto e interfere nas horas necessárias. A escola passa a ser administrada por toda a comunidade, buscando caminhos para torná-la cada vez mais competente e capaz de cumprir o seu papel na sociedade”. Essa temática chama a atenção e desperta o interesse de diversos setores da sociedade: movimentos sociais, sindicatos, institutos políticos, órgãos não governamentais e pesquisadores do meio acadêmico.
Como afirma o Professor Vitor Henrique Paro em seu livro Gestão Democrática da Escola Pública (2005), “[...] a escola estatal só será verdadeiramente pública no momento em que a população escolarizada tiver acesso geral e indiferenciado a uma boa educação escolar”. Portanto, o espaço escolar é um dos únicos meios que possibilita o acesso aos saberes historicamente construídos. E segue afirmando que: “a construção e a conquista da autonomia serão possíveis com a democratização do poder, o que pressupõe uma necessidade de interação para participar e opinar sobre questões relativas à escola, ou seja, exige um aprendizado político e organizacional. Assim, “é neste contexto que ganha maior importância a participação da comunidade na escola, no sentido, de partilha do poder por parte daqueles que se supõe serem os mais diretamente interessados na qualidade de ensino. ”
Entretanto, Palmas vai na contramão desses princípios, pois todos diretores sejam na rede estadual ou na municipal ocupam seus cargos por nomeação do governador ou prefeito, em geral, por indicação e/ou influência de deputados e/ou vereadores.
Em tempos de crise democrática e retrocessos nas políticas públicas nacionais, questionar-se um sistema como esse com viés coronelista de seleção pode até parecer um tanto quanto sonhador. Porém, não se cabe outra atitude. Principalmente por se ter em mente que somos um país que possui um regime democrático quase que embrionário, visto que, ao longo de sua história, o Brasil possui 62,4% dos anos de sua vida no regime Colonial, 13% no Império, 7,9% Oligarquia, 7% em uma Ditadura Militar que deixou cicatrizes ainda evidentes e apenas 9,7% no atual “Regime Democrático de Direito”. Portanto, para mantê-lo se faz necessário sonhar e principalmente reivindicar ajustes.
Eis que surgem os coronéis agindo nas escolas. Semanalmente, nos deparamos com exemplos de aberrações no que se refere ao afronte aos direitos por liberdade de ações e cidadania, em especial nos espaços escolares. Nos últimos dias, foi divulgado através das mídias sociais um exemplo indecoroso, onde um diretor de uma unidade de ensino da rede pública municipal impediu que o Conselho Escolar se reunisse em sua própria escola. A reunião era para tratar de interesse dos alunos, pais e professores. Todavia, ela se deu na varanda de um posto de saúde vizinho à escola com dezenas de famílias debaixo de chuva. Esse fato demonstra total desrespeito e/ou desconhecimento do diretor sobre a importância do papel de controle social na relação das políticas educacionais por parte do Conselho. Semelhantemente, o episódio evidenciou a falta de autonomia, que o fez contrariar leis.
Quais leis? Somos sabedores que o Conselho Escolar é o órgão máximo para a tomada de decisões realizadas no interior de uma escola. Ele se constitui por meio da representação de todos os segmentos que integram a comunidade escolar, tais como, alunos, pais ou responsáveis, funcionários, professores, diretores e comunidade. Ademais, o Conselho Escolar é normatizado por regimento próprio que se ajustam a algumas leis tais quais: a Constituição Federal de 1988, a LDB 9394/96, a Lei do PNE 13,005/14 e ao Plano Municipal de Educação PME/Palmas Lei Nº 2.238/16. O triste episódio apresentado acima, entre outras violações, fere o próprio estatuto do servidor e, infelizmente, até o presente momento não foi repreendido. O agravante é que se intensificou, tornou-se um exemplo repercutido em outras unidades da rede.
Nada diferente da realidade da rede estadual. Os deputados vetaram um projeto de lei que tratava sobre eleição direta de diretores, sob alegações tendenciosas. Naquela ocasião, um dos deputados na Assembleia Legislativa, bradando, disse que não iria aceitar o processo, e desferiu a seguinte frase: “Nas minhas escolas quem manda e escolhe o diretor sou eu”. Total disparate.
E assim, em oposição aos movimentos progressistas que buscam uma escola de fato democrática, as ações apresentadas pelos diretores de escolas públicas de Palmas confundem o público com o privado, escancaram o direcionamento da gestão escolar em apoiar as ações das lideranças políticas do momento. Essa prática viciosa faz aflorar o sentimento patrimonialista que os cercam, apresenta em conjunto todo um ranço que nossa sociedade ainda carrega após anos de império. Ademais, esse desvio de conduta afronta a constituição cidadã que, no artigo primeiro, parágrafo único, traz de forma assertiva a frase: “Todo poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”. Essas figuras aliam-se a um sistema que fomenta a ação de “políticos profissionais” que se alimentam da participação da liderança que alguns educadores possuem enquanto gestores para articular-se a prática do clientelismo. Nessa relação, os cargos de gestores oferecem vantagens financeiras e espaços políticos em ambientes públicos em troca de legitimação e apoio, muitas vezes com desconfiança de promoverem uma rede de fidelidades pessoais que passam pelo uso de recursos públicos.
Será que cada pai de aluno, cada aluno, cada educador não conhece melhor as necessidades da escola do que os políticos? Os rumos da escola devem ser tomados por eles ou por políticos que aparecem a cada dois anos nas portas das escolas?
Urge a necessidade de avançar para além da reflexão sobre essas indagações e concretizar ações que transformem a escola pública do Tocantins num verdadeiro espaço de construção e fortalecimento da democracia.
Contudo, o avanço na qualidade da educação pública da rede municipal de Palmas se evidencia nos últimos anos, alcançando as primeiras colocações no Índice da Educação Básica - IDEB que, aliada ao aumento do número de servidores efetivos nos últimos anos, é uma contradição aos críticos do funcionalismo público. Não obstante, ela demonstra toda a importância de se manterem políticas progressistas no campo da educação de forma a valorizar a participação ativa a quem de fato faz educação nesse Estado.
Por fim, a maior das contradições: os últimos gestores/políticos de Palmas se orgulham pela rede municipal ser referência nacional na educação em tempo integral. É útil enfatizar que esse sistema de ensino tem como um de seus idealizadores o grande educador brasileiro Anísio Teixeira que afirmava que: “Só existirá democracia no Brasil no dia em que se montar no país a máquina que prepara as democracias. Essa máquina é a da escola pública”.
Sendo assim, já é hora de ajustar a máquina para iniciar a produção.
*Fábio de Souza Lopes é graduado em Ciências Biológicas pela Unifafibe, professor efetivo da Rede Pública Estadual e Municipal de Palmas, Pós-Graduado em Gestão e Planejamento Ambiental, especialista em Educação Ambiental pela UFT e, Educação no Campo pela UFSCAR, membro do Conselho Municipal de Educação – Câmara do FUNDEB (CME/Palmas), atualmente ocupa o cargo de diretor sindical no Sindicato dos Trabalhadores em Educação no Estado do Tocantins SINTET-TO/Regional de Palmas como Sec. de Políticas Educacionais.