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Opinião

Antonio Tuccilio é presidente da Confederação Nacional dos Servidores Públicos.

Antonio Tuccilio é presidente da Confederação Nacional dos Servidores Públicos. Foto: Divulgação

Foto: Divulgação Antonio Tuccilio é presidente da Confederação Nacional dos Servidores Públicos. Antonio Tuccilio é presidente da Confederação Nacional dos Servidores Públicos.

Com todos os avanços recentes em inteligência artificial e robótica, seria impensável que essas tecnologias não chegassem à saúde pública. A China, uma das grandes potências mundiais nesse setor, já opera hospitais totalmente automatizados, com sistemas integrados de IA que coordenam desde o atendimento até a logística hospitalar. Esses hospitais inteligentes têm se destacado pela precisão no diagnóstico e pela agilidade nos tratamentos, mostrando na prática o potencial transformador dessas tecnologias. É natural, portanto, que o Brasil, sendo um dos poucos países do mundo com um sistema público de saúde nacionalizado e capaz de atender milhões de pessoas, olhe para esse modelo com atenção.

O Ministério da Saúde deu um passo importante nesse sentido ao iniciar, em 2025, as tratativas com o governo chinês e o banco dos BRICS para a criação do primeiro hospital inteligente do SUS. O projeto prevê o uso de inteligência artificial na gestão hospitalar, automação de processos internos e monitoramento em tempo real do fluxo de pacientes e insumos. Essa iniciativa reflete um movimento mais amplo, que já vinha sendo desenhado com o programa SUS Digital e a Rede Nacional de Dados em Saúde, estruturas criadas para unificar informações e permitir que sistemas automatizados possam operar de forma segura e integrada em todo o país.

A promessa é clara: reduzir filas, padronizar triagens, agilizar diagnósticos e aumentar a eficiência do sistema. A automação tende a liberar tempo de profissionais sobrecarregados, enquanto a IA pode antecipar riscos e melhorar a tomada de decisão médica. Em paralelo, a cirurgia robótica deixou de ser um luxo de hospitais privados e começou a fazer parte da realidade pública. A Conitec analisou, neste ano, a incorporação da prostatectomia radical assistida por robô no SUS, usada para tratar o câncer de próstata. O procedimento, menos invasivo e com menor tempo de internação, já mostrou resultados positivos em centros públicos e deve se tornar um marco na modernização do atendimento oncológico brasileiro.

Tudo isso projeta um cenário animador. A tecnologia surge como um caminho possível para resolver gargalos históricos da saúde pública, melhorar a gestão de recursos e ampliar o alcance do atendimento, especialmente em regiões onde há falta de profissionais especializados. No entanto, diante de tantas promessas, é essencial olhar com cuidado para o outro lado da equação: o humano.

O avanço da IA e da robótica não elimina o papel das pessoas. O Ministério da Saúde e a Fiocruz têm reiterado que essas tecnologias são ferramentas de apoio, e não de substituição. Elas podem organizar filas, prever surtos de doenças, sugerir condutas e processar grandes volumes de dados, mas não podem decidir por conta própria. A responsabilidade final continua sendo do profissional da saúde, que precisa validar, interpretar e responder por cada decisão clínica. Isso significa que, ao mesmo tempo em que a tecnologia reduz parte do esforço físico e operacional, ela aumenta a exigência técnica e cognitiva sobre quem está na ponta.

A tendência, portanto, não é de demissão em massa, mas de transformação das funções. O servidor público da saúde vai precisar de novas habilidades, especialmente no uso de sistemas digitais e na leitura crítica das informações que a IA fornece. A triagem automatizada, por exemplo, exige alguém capaz de avaliar se o algoritmo está certo. O prontuário eletrônico, integrado em tempo real, precisa de quem entenda o contexto do paciente para evitar interpretações erradas. E a cirurgia robótica, mesmo com precisão aumentada, ainda depende de uma equipe humana qualificada para operar, supervisionar e garantir a segurança do procedimento.

Essa nova etapa exige investimento em capacitação e em reconhecimento. Não há hospital inteligente sem trabalhador preparado. A tecnologia não vai substituir o servidor público, mas vai depender dele para funcionar. Se essa transição não for acompanhada de uma política clara de formação e valorização, o risco é o oposto do prometido: em vez de aliviar a sobrecarga, a IA pode intensificá-la. A Fiocruz já alertou para o perigo de a digitalização da saúde transformar o trabalhador em mero executor de metas automatizadas, comprimindo tempo de atendimento e ampliando a pressão psicológica sobre equipes que já operam no limite.

É justamente nesse ponto que se torna fundamental mantermos uma atuação ativa e vigilante sobre como essas tecnologias estão sendo implementadas e de que forma elas têm afetado o servidor público da saúde. A CNSP defende que a modernização do SUS só será um avanço real se vier acompanhada de valorização do trabalhador, de políticas sólidas de capacitação e de uma governança de dados transparente e soberana.

A modernização do sistema de saúde é inevitável, mas o caminho que escolhermos definirá o tipo de país que queremos construir. A inteligência artificial e a robótica podem trazer mais eficiência, rapidez e precisão. Mas só haverá avanço verdadeiro se essas ferramentas forem usadas para fortalecer, e não enfraquecer, quem faz o SUS funcionar todos os dias. A tecnologia precisa estar a serviço de quem cuida, e não o contrário.

*Antonio Tuccilio é presidente da Confederação Nacional dos Servidores Públicos.