As facilidades de crédito oferecidas pelo Banco da Amazônia (Basa) para o setor de pecuária, tanto para o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf) quanto para produtores maiores, contribuíram para o desmatamento da Amazônia nos últimos cinco meses. Estudo do cientista Paulo Barreto, pesquisador sênior do Instituto do Homem e do Meio Ambiente da Amazônia (Imazon), indica que isso está ocorrendo porque o Pronaf empresta recursos em todo o Brasil a taxas de juros que variam de 1% a 4% ao ano, além de descontos de 40% sobre o principal para valores até R$ 12 mil. A taxa básica de juros (Selic) fixada pelo Banco Central está em 11,25% ao ano.
O Pronaf oferece ainda bônus de 25% na taxa de juros de custeio para os pequenos agricultores que honram suas dívidas. Na Amazônia, esse dinheiro tem sido repassado com verbas do Fundo Constitucional do Norte Especial, destinado exclusivamente aos pequenos agricultores. Mas o Basa empresta também recursos do FNO para produtores rurais não familiares (FNO Normal) com taxas de juros subsidiadas - variando de 5% a 9%, conforme a escala do empreendimento. Esse mesmo fundo destinado a agricultores não familiares oferece ainda um desconto de 15% sobre os encargos financeiros para aqueles que pagam em dia suas dívidas.
De acordo com o estudo feito por Paulo Barreto, em 2006, dos R$ 371 milhões emprestados para o setor de pecuária, R$ 190 milhões (51%) foram para o Pronaf. Até outubro de 2007, dos R$ 158 milhões destinados a esse mesmo setor, R$ 105 milhões (66%) jorraram para a agricultura familiar. O Pronaf é um dos principais programas do governo federal destinados às pequenas propriedades. Surgiu há 13 anos e foi muito valorizado durante o governo de Luiz Inácio Lula da Silva, que aumentou as facilidades para o acesso a seus recursos.
Outros estudos do Imazon indicam que a influência do crédito fácil está ocorrendo na derrubada da floresta. Na Transamazônica, pequenos produtores em assentamentos rurais - o que permite o acesso ao FNO Especial - desmataram mais que aqueles fora dos assentamentos e sem crédito. Outro estudo mostrou que a taxa de desmatamento em 343 assentamentos na Amazônia foi quatro vezes maior do que fora deles.
Conforme a ONG Amigos da Terra, em 2007 pela primeira vez a Amazônia Legal passou da marca dos 10 milhões de abates bovinos, com aumento de 46% em relação a 2004. O número significou 41% dos abates bovinos de todo o Brasil em 2007, frente a 34% em 2004. O rebanho bovino da Amazônia Legal é de cerca de 74 milhões, pouco mais de um terço, visto que o Brasil tem perto de 206 milhões de cabeças. Conforme a Amigos da Terra, de cada quatro cabeças adicionais de gado no Brasil nos últimos cinco anos, três têm origem na Amazônia.
Outro dado da Amigos da Terra dá conta de que um terço das exportações brasileiras de carne in natura em 2007 foi oriundo de exportação direta da Amazônia, principalmente de Mato Grosso, Pará, Rondônia e Tocantins. Em 2004, o Pará aumentou sua exportação direta em 7.800%, Rondônia em 1.350%, Mato Grosso em 360% e Tocantins em 150%. Existem ainda 200 abatedouros na região, sendo que só 87 têm registro do Serviço de Inspeção Federal do Ministério da Agricultura.
Juros Baixos
Paulo Barreto mostra que as taxas de juros rurais na Amazônia estiveram muito abaixo das taxas de juros livres, que segundo o Banco Central variaram de dezembro de 2003 a dezembro de 2006 entre 26% e 34% ao ano para pessoas jurídicas, e 57% e 62% para pessoas físicas. Mesmo dentro do FNO Normal, as taxas de juros para o setor rural têm sido 23% mais baixas do que para os empreendimentos não rurais (7,25% a 11,5% ao ano de juros).
“Com essas condições atrativas, os pecuaristas receberam R$ 1,89 bilhão de empréstimos entre 2003 e outubro de 2007, distribuídos em 14.500 contratos”, disse Barreto. Do total de recursos, 45% foram para pequenos produtores (FNO Especial) e 55% para produtores médios e grandes (FNO Normal). O pico de empréstimo ocorreu em 2004, ano de pico de desmatamento
Para Barreto, os empréstimos do Basa deveriam ser usados apenas para melhorar a qualidade e produtividade da pecuária, pois o FNO proíbe investimentos em áreas desmatadas. Mas, como o FNO constitui um subsídio, ele tende a aumentar o investimento nessa atividade mais do que o normal (usando taxas de juros de mercado).
“E pode até estimular indiretamente o desmatamento. Um fazendeiro pode desmatar novas áreas sem empréstimo, pois sabe que obterá bons rendimentos usando o empréstimo subsidiado para comprar o rebanho”, diz Barreto.
Explicações
Para o Ministério do Desenvolvimento Agrário, o crédito fácil do Pronaf não estimula atividades que possam vir a causar danos ambientais. Em nota ao Estado, o MDA afirmou que o programa, criado há 13 anos, incentiva as práticas sustentáveis. “Em 2002, foi criada linha especial de crédito, Pronaf Floresta, que tem finalidade estritamente ambiental, incentivando projetos de sistemas agroflorestais, exploração extrativista ecologicamente sustentável, plano de manejo e manejo florestal”, afirma o ministério. “Não há como relacionar o aumento das operações do Pronaf nos Estados da Amazônia Legal nos últimos cinco anos e o avanço do desmatamento verificado nos últimos meses.”
“Entre 2005 e 2006, registrou-se um crescimento de 17% no valor aplicado (no Pronaf) e 26% nos contratos na região. Em 2007, as aplicações de crédito tiveram queda sensível de 45% no volume financiado e 40% no número de contratos - passando de R$ 1,3 bilhão (233.814 contratos) em 2006 para R$ 829 milhões (141 mil contratos) em 2007. No período em que o Pronaf crescia, o desmatamento caía. E, quando o desmatamento cresceu, as operações de Pronaf caíram, o oposto do que afirma o Imazon”, afirma o ministério.
Fonte: O Estado de São Paulo