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Cultura

Foto: Divulgação

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Filmado ao longo de quatro anos, entre 2018 e 2022, Toda Noite Estarei Lá, de Suellen Vasconcelos e Tati Franklin, acompanha a jornada de Mel Rosário, de 58 anos, que após sofrer uma agressão transfóbica, todas as noites, se põe diante da igreja neopentecostal que a impede de frequentar. O documentário é uma produção da Graúna Digital, em associação com Filmes Fritos, distribuído pela Descoloniza Filmes, e chega aos cinemas neste 30 de maio.

As diretoras contam que conheceram Mel por meio de uma pequena participação no filme de um amigo, Thiago Moulin, que aqui assina a produção executiva. “Depois desse encontro ele ficou muito impactado com a história dela e produziu um curta-metragem contando seu caso com a igreja. Nesse processo ele se deu conta que a história da Mel renderia um longa-metragem, mas entendeu que não dirigiria o filme, e precisava encontrar alguém para assumir a direção desse novo projeto. Nessa época a gente estava com o Transvivo (um curta sobre transmasculinidades) no circuito de festivais. Ele então fez o convite para dirigir o documentário”, contam as cineastas.

O longa foi premiado em diversos festivais, como 30º Festival de Cinema de Vitória com os prêmios de Melhor Interpretação, para Mel Rosário, e o Troféu Vitória de Melhor Filme, pelo Júri Popular, Olhar de Cinema 2023 (Melhor direção e Melhor atuação) e 17o For Rainbow (Melhor atriz, Melhor Trilha Sonora, Melhor direção de arte), além de ter sido exibido no Mix Brasil, Festival do Rio e Wicked Queer: The Boston LGBT Film Festival! (EUA).  A data de lançamento nos cinemas brasileiros coincide com o Feriado de Corpus Christi, dia em que ocorre a Marcha Para Jesus, evento marcado pela manifestação da fé cristã, e seguirá em cartaz em junho, o mês do Orgulho LGBTQIA+

Antes desse filme, Mel já tinha participado de dois curtas e um telefilme, mas ela ficou animada em protagonizar um longa-metragem. “Ela dizia que era importante contar essa história naquele momento e que o movimento que o filme traria para sua vida também era uma forma dela se proteger porque acreditava que a igreja iria recuar com as ameaças se soubesse que fariam um filme sobre este conflito. Ela dizia que ‘eles vão pensar duas vezes antes de fazer alguma coisa comigo agora que vocês estão filmando’.  Estar em evidência era uma forma de proteção também”, explicam. 

Filmar na porta igreja, onde Mel fazia seus protestos, era sempre muito tenso e insalubre. Além disso, as diretoras também viveram com a protagonista idas e vindas dos processos judiciais e o perdurar das injustiças. "Ficamos imersas nesse processo do filme por muito tempo, tanto pelo processo do filme em si quanto pelos dois anos de Pandemia. O tempo era um fator que era um aliado do filme e é importante lembrar que a gente só conseguiu filmar por tanto tempo porque reduzimos a equipe e assumimos outras responsabilidades."

Apesar da história de Mel ser única, para as cineastas, representa os dilemas que a nossa sociedade vive. Acompanhando sua trajetória a gente vê um rastro do ultraconservadorismo e da violência conta uma determinada população. 

"A Mel é uma travesti defensora dos direitos humanos. Ela enfrenta todos os dias uma sociedade que oprime e desumaniza pessoas LGBTQIAP+. Muita gente se apoia nos discursos fundamentalistas de algumas igrejas para justificar a LGBTFOBIA. A gente costuma dizer que a Mel é uma outsider tanto no contexto da igreja e da religião com a qual ela se identifica, porque essa igreja não acolhe pessoas como ela,  quanto no contexto progressista que tem extrema dificuldade de dialogar com as religiões neo pentecostais, por exemplo."

A luta da Mel propõe um encontro entre esses dois mundos e as documentaristas creem que quando as pessoas conhecem essa história elas reavaliam seus papeis nesses contextos. "Então, enquanto diretoras lésbicas, a gente acredita que que só existe transformação através de intervenção. Acreditamos que esse filme propõe um diálogo com quem pensa que existem vidas que valem menos que outras e que se não contarmos essas histórias, se não existirmos nas telas, se não construirmos um imaginário diferente, uma memória dessas vidas, a gente não muda essa realidade. Quantas heroínas travestis existem no cinema brasileiro? Quantas travestis a gente conhece? Quantas frequentam a nossa casa? A Mel também está nesse lugar de representar uma população sub-representada no nosso imaginário e nas nossas telas."

Toda Noite Estarei Lá é lançado no Brasil pela Descoloniza Filmes.

Sinopse

Após sofrer uma agressão física por transfobia na igreja evangélica que frequentava, Mel Rosário, 58, reivindica seus direitos fazendo protestos em frente à igreja que a impede de frequentar os cultos. Enquanto luta por justiça, Mel encontra brechas para se reinventar e sobreviver no Brasil bolsonarista.