Em nota publicada na terça-feira, 25 de fevereiro, três relatores especiais da ONU – sobre o Direito Humano a um Meio Ambiente Limpo, Saudável e Sustentável, sobre Mudanças Climáticas e sobre Tóxicos e Direitos Humanos – manifestaram preocupação com os retrocessos discutidos na câmara de conciliação do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a Lei do Genocídio Indígena (Lei 14.701/2023). Eles pediram a suspensão da proposta apresentada em 14 de fevereiro pelo ministro Gilmar Mendes, que preside a comissão, e que libera a mineração em terras indígenas.
“Expressamos nossa profunda preocupação com a proposta apresentada pela Comissão Especial de Conciliação do STF, que contradiz diretamente a Constituição do Brasil, as decisões do próprio Supremo Tribunal Federal e o direito internacional dos direitos humanos. Em julho de 2024, os Procedimentos Especiais da ONU já haviam expressado preocupação com relação à Lei 14.701/2023, pedindo às autoridades brasileiras que respeitassem os direitos dos povos indígenas, de acordo com a legislação internacional existente”, diz o comunicado. Leia a íntegra da declaração: https://x.com/SREnvironment/status/1894512155791081860.
A declaração dos relatores ocorre após um pedido da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), organização de referência do movimento indígena, que tem alertado para os perigos que a proposta da câmara de conciliação representa para os povos indígenas. Para a APIB, o espaço tem sido usado para negociar direitos fundamentais previstos na Constituição Federal de 1988.
“O que está em jogo na câmara de negociação é a reescrita do ‘Capítulo dos Índios’ da Carta Magna, o que enfraquece direitos conquistados com muita luta pelos povos indígenas. Essa proposta claramente atende a interesses privados, e não ao interesse público. A liberação da mineração em TIs é resultado de manobras do Centrão e do lobby do setor mineral”, diz Kleber Karipuna, coordenador executivo da Articulação.
Segundo reportagem da InfoAmazonia, o artigo que permite a liberação da atividade em territórios indígenas foi sugerido por Luís Inácio Lucena Adams, advogado da mineradora Potássio do Brasil, que possui aprovação estadual para instalar uma mina em um território do povo Mura, localizado no município de Autazes, no Amazonas. Caso o texto seja aprovado, a Potássio pode ser beneficiada, visto que o minério é classificado pelo Governo Federal como “essencial para a segurança econômica” do país.
Outras ameaças
O texto, composto por 94 artigos, reúne sugestões de órgãos governamentais, entidades da sociedade civil e partidos políticos que integram a câmara do STF. A APIB, em conjunto com suas organizações regionais de base, deixou a mesa no ano passado após a câmara não atender às condições de participação dos indígenas, além de ignorar os pedidos do movimento nas ações que discutem a lei no STF, como a suspensão da Lei do Genocídio.
Além da exploração de minerais em territórios indígenas, a APIB aponta mais nove ameaças aos povos indígenas previstas no texto da câmara, sendo elas: regulamentação do "Relevante Interesse Público da União" em Terras Indígenas; fragilização da Consulta Prévia, Livre e Informada; revisão e reanálise de procedimentos administrativos demarcatórios; criminalização das retomadas indígenas; indenização por terra nua a ocupantes não indígenas; ampliação da participação de entes federados no processo de demarcação; intimação de terceiros interessados antes da delimitação da ocupação indígena; mediação e arbitragem para indenizações; e redimensionamento de Terras Indígenas.
“A proposta altera as regras de demarcação, impondo novos critérios a processos ainda em andamento e enfraquecendo direitos já consolidados. Embora o texto rejeite a tese do marco temporal, ele faz diversas concessões ao agronegócio e ao setor mineral. Ele prevê indenização para invasores e a liberação de atividades dentro dos territórios ancestrais, que colocam em risco nossas famílias e tradições, o meio ambiente e a luta contra as mudanças climáticas”, afirma Dinamam Tuxá, coordenador executivo da APIB.
No dia 21 de fevereiro, o ministro Gilmar Mendes suspendeu as audiências da câmara de conciliação a pedido da Advocacia-Geral da União (AGU). O órgão afirma que as partes envolvidas na mesa precisam de mais tempo para analisar a proposta apresentada pelo gabinete de Mendes. O reinício dos trabalhos foi marcado para 26 de março, e o prazo final foi prorrogado para 2 de abril.
Sobre a APIB
A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) é uma instância de referência nacional do movimento indígena, criada de baixo para cima. Ela reúne sete organizações regionais indígenas (Apoinme, ArpinSudeste, ArpinSul, Aty Guasu, Conselho Terena, Coaib e Comissão Guarani Yvyrupa) e foi criada para fortalecer a união dos povos indígenas, a articulação entre as diferentes regiões e organizações, além de mobilizar contra ameaças e agressões aos direitos indígenas. (Apib)