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Meio Ambiente

Levantamento exclusivo da InfoAmazonia indica que 68% (5.610) dos focos de queimadas em São Félix do Xingu foram registrados em Cadastros Ambientais Rurais (CARs), registro eletrônico obrigatório no Brasil para todas as propriedades e posses rurais, criado para auxiliar no monitoramento, regularização ambiental e planejamento do uso da terra.

No coração da Amazônia paraense, São Félix do Xingu se tornou o epicentro das queimadas no Brasil em 2024. Com 7.356 focos de calor, o município liderou o ranking das dez cidades com mais registros de fogo no programa BD Queimadas, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).

Abaixo, as dez cidades com mais registros no Brasil. Corumbá, município localizado no estado do Mato Grosso do Sul, é o único situado no bioma Pantanal.

 Fonte: Programa de Queimadas do Instituto Nacional de Pesquisas (Inpe). Análise e Visualização: InfoAmazonia. 

A análise dos dados de queimadas em CARs revela que 62% (3.472) deles estavam dentro de unidades de conservação, configurando uma violação ambiental e que coloca em risco a integridade desses ecossistemas. Entre as áreas mais impactadas, está a Área de Proteção Ambiental (APA) Triunfo do Xingu, que concentrou 3.334 focos de calor, referente a porção territorial da APA localizada em São Félix do Xingu. Além disso, o Parque Nacional Serra do Pardo e a Estação Ecológica Terra do Meio, que fazem fronteira com a APA, também apresentaram registros significativos de queimadas.

A APA Triunfo do Xingu é a unidade de conservação mais desmatada no país desde 2008, segundo o Projeto de Monitoramento do Desmatamento na Amazônia Legal por Satélite (PRODES), que realiza desde 1988 o monitoramento e produz as taxas anuais de desmatamento por corte raso na Amazônia Legal. Desde então, dos 2 milhões de hectares em extensão territorial, a região perdeu 437 mil (22%), o equivalente a quatro vezes a Belém, conforme o PRODES.

Esses registros são referentes somente a porção territorial da APA localizada na cidade São Félix do Xingu (PA).

 Fonte: Programa de Queimadas do Inpe. Análise e visualização: InfoAmazonia.

A Secretaria de Meio Ambiente e Sustentabilidade (SEMAS) do Pará administra a APA Triunfo do Xingu, e informou que está em implementação um plano de restauração florestal de uma área de 10,3 mil hectares. Além disso, segundo a secretaria, dentro da APA há uma base fixa de agentes ambientais que formam a Operação Curupira, iniciada em fevereiro de 2023 com o objetivo de reduzir o desmatamento em cidades com maiores alertas de desmatamento no Pará. Em 2024, a SEMAS conseguiu reduzir o desmatamento na APA em 28,4% em relação a 2023.

Na avaliação da diretora de ciência do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM), Ane Alencar, os altos índices de queimadas em São Félix do Xingu estão relacionados à pecuária. O município tem o maior rebanho bovino do país. São 2,4 milhões de cabeças de gado, segundo o censo agropecuário de 2023 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), representando 1% do número total de bois e vacas no Brasil.

Ane explica que os incêndios, na maioria das vezes, têm relação com o uso do solo para atividades agrícolas, como abertura de pasto. “Principalmente na Amazônia, onde boa parte da área desmatada é ocupada por pasto destinado à pecuária. Infelizmente, essa pecuária é mais extensiva e usa o fogo como sua forma de manejo, onde se faz a queima para o plantio do pasto. Essa é uma prática mais específica da Amazônia do que em outros biomas do país, onde se usa o pasto nativo”, explicou.

Abaixo as 5 Unidades de Conservação mais desmatadas no Brasil entre 2008-2024.

 Fonte: Prodes INPE. Análise e visualização: InfoAmazonia.

Além de impactar nas queimadas, a pecuária também interfere nas emissões de dióxido de carbono (CO2) e metano (CH4), que, em altos níveis, contribuem para o aquecimento global.

Em razão do desmatamento, São Félix do Xingu emitiu mais de 25 milhões de toneladas de CO2, segundo dados do Sistema de Estimativa de Emissão de Gases (SEEG), uma iniciativa do Observatório do Clima que monitora emissões de gases de efeito estufa na América Latina. O município ocupa a posição de maior emissor do país.

Focos sobre garimpos na TI Kayapó 

As queimadas em São Félix do Xingu atingem não apenas áreas de proteção ambiental, mas também terras indígenas, como a Terra Indígena Kayapó. Em 2024, esse foi o território indígena mais afetado por focos de incêndio no Brasil, com 3.259 registros, número 23 vezes maior que os 139 observados no ano anterior.

Abaixo, os cinco territórios indígenas com maior número de focos de calor registrados pelo Inpe.

 Fonte: Programa de Queimadas do Inpe. Análise e Visualização: InfoAmazonia. 

Com uma população de 6.365 indígenas, a região enfrenta uma pressão crescente devido ao avanço do garimpo ilegal de ouro, o que contribui significativamente para o aumento das queimadas. Segundo Rogério de Souza Borges, assistente técnico da Coordenação Regional Kayapó Sul da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), essa prática ilegal intensifica os índices de incêndios, ameaçando a integridade ambiental e a sobrevivência das comunidades locais.

“Esse ano foi atípico. Ocorreram diversas operações de combate ao garimpo ali dentro. E a gente observou que muitos desses focos estão próximos a eles. Então a gente acredita que [os incêndios] sejam uma resposta às operações de combate”, explicou Borges.

O território tem o maior área de garimpo ilegal em território indígena do Brasil: são 13,7 mil hectares de área explorada ilegalmente, conforme o MapBiomas.

 Fonte: Programa de Queimadas do Inpe. Análise e visualização: InfoAmazonia. 

O garimpo em terras indígenas é uma atividade ilegal, apesar de estar em curso uma minuta dentro do projeto de lei do Marco Temporal que autorizaria essa exploração. Apresentada pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Gilmar Mendes, ela prevê a exploração mineral mesmo sem a concordância das comunidades quando a atividade for declarada de “relevante interesse público da União”. O artigo 231, inciso 3º e 4º da Constitução Federal legitima a soberania desses territórios.

A atividade de garimpo ilegal na TI Kayapó começou nos anos 1960. O território tem o maior área de garimpo ilegal em território indígena do Brasil: são 13,7 mil hectares de área explorada ilegalmente, conforme o MapBiomas, plataforma que faz o mapeamento anual da cobertura e uso da terra no Brasil.

 Grupo Especializado de Fiscalização (GEF) do Ibama realiza operação de combate a garimpo ilegal de ouro na Terra Indígena Kayapó, no estado do Pará, Brasil. Crédito: Felipe Werneck / Ibama 

Neste ano, a Funai planeja mais uma operação para expulsar os invasores no território, em cumprimento a uma decisão do ministro do STF Luís Roberto Barroso, dada em 2023, em ação da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib). “Mas enquanto isso, fazemos operações pontuais: a Funai, a Polícia Federal e o Ibama, para o combate nesses garimpos”, explica Borges.

Esta reportagem foi realizada com o apoio do Programa Vozes pela Ação Climática Justa (VAC), que atua para amplificar ações climáticas locais e busca desempenhar um papel central no debate climático global. A InfoAmazonia faz parte da coalizão “Fortalecimento do ecossistema de dados e inovação cívica na Amazônia Brasileira” com a Associação de Afro Envolvimento Casa Preta, o Coletivo Puraqué, PyLadies Manaus, PyData Manaus e a Open Knowledge Brasil. (InfoAmazonia)