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Opinião

Igor Meireles é um contador com 20 anos de experiência em contabilidade e tributação

Igor Meireles é um contador com 20 anos de experiência em contabilidade e tributação Foto: Divulgação

Foto: Divulgação Igor Meireles é um contador com 20 anos de experiência em contabilidade e tributação Igor Meireles é um contador com 20 anos de experiência em contabilidade e tributação

Tarifas de até 50% aplicadas pelos Estados Unidos sobre produtos brasileiros reacendem um alerta importante: eventos tributários internacionais podem gerar efeitos fiscais profundos, mesmo para empresas que não exportam diretamente. Em um mundo globalizado, os reflexos de medidas unilaterais cruzam fronteiras com rapidez, e silenciosamente afetam margens, contratos, estruturas de precificação e até o reconhecimento contábil de receitas.

À primeira vista, a medida parece atingir apenas exportadores diretos para o mercado norte-americano. Mas a verdade é que ela impacta um ecossistema muito mais amplo, que vai de multinacionais com presença no Brasil a fornecedores locais integrados a cadeias globais.

A tarifa é unilateral, ou seja, aplicada apenas pelos EUA sobre bens de origem brasileira. Nada muda, por ora, para quem importa produtos americanos. Não houve alteração de impostos locais nem retaliação oficial por parte do governo brasileiro. Ainda assim, o impacto é real, e imediato: a competitividade dos exportadores cai, contratos sofrem pressão, margens encolhem e preços precisam ser revistos. Setores como o metalúrgico, aeronáutico, agroindustrial e químico já vivem essa nova realidade.

É nesse ponto que surge uma questão menos discutida, mas fundamental, com o impacto tributário e contábil desse cenário, especialmente diante da aplicação do princípio do arm’s length, agora incorporado à legislação brasileira de preço de transferência.. Na prática, isso significa que as transações entre empresas do mesmo grupo devem ser realizadas em condições de mercado, como empresas independentes, o que pode demandar reprecificação de produtos e revisão de contratos, especialmente em situações de mudanças como essa.

Até o momento, não houve aumento de impostos locais nem retaliação oficial do governo brasileiro. No entanto, o impacto para os exportadores nacionais já se iniciou, e entre os setores que podem ser mais afetados está o do aço semiacabado, que responde por cerca de 40% das exportações brasileiras de aço para os EUA e movimentou mais de US$ 2,3 bilhões em 2023, agora diretamente atingido pelo aumento tarifário.

O setor aeronáutico também sofre com restrições adicionais, afetando contratos de fornecimento de peças para empresas americanas. Na agroindústria, a proteína bovina, que vinha ampliando sua presença nos EUA, enfrenta tarifas extras que comprometem sua competitividade frente a países como Austrália e México.

Este novo modelo é mais alinhado ao padrão internacional, mas também impõe uma análise econômica mais sofisticada. Ignorar os efeitos fiscais das tarifas pode comprometer a integridade das demonstrações contábeis e representar risco real de autuação. Além disso, incentivos fiscais como REINTEGRA, drawback e entreposto aduaneiro podem ser indiretamente impactados. Empresas que atuam como fornecedoras de multinacionais americanas, por exemplo, podem ver seus contratos renegociados, sua produção redirecionada e seu faturamento reduzido, o que mexe diretamente com projeções, compliance e estrutura contábil.

É por isso que, mais do que um tema comercial, as tarifas americanas devem ser encaradas como um teste à maturidade tributária das empresas brasileiras. Revisar estruturas, atualizar políticas internas, reavaliar riscos e reforçar o compliance são movimentos urgentes, e não apenas para grandes players.

Em tempos de transformação tributária no Brasil, esse episódio mostra que a gestão fiscal deixou de ser um tema restrito ao departamento contábil. Ela é, cada vez mais, uma questão de estratégia e sobrevivência no mercado global. A pergunta que fica é: quantas empresas brasileiras estão, de fato, preparadas para isso?

*Igor Meireles é um contador com 20 anos de experiência em contabilidade e tributação.