A decisão monocrática do ministro Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal (STF), ao declarar a inaplicabilidade de leis estrangeiras em território nacional e vedar a utilização de tribunais internacionais por municípios brasileiros afetados pela tragédia de Mariana, trouxe à tona um debate de enorme sensibilidade: a tênue fronteira entre a defesa da soberania jurídica e os deveres de cooperação internacional.
O caso chegou ao STF por provocação do Instituto Brasileiro de Mineração, que questionava ações ajuizadas por municípios brasileiros na Inglaterra contra as mineradoras Vale e BHP. No entanto, em vez de restringir sua decisão ao objeto específico da controvérsia, o ministro Flávio Dino foi além: estabeleceu que nenhuma imposição, sanção ou restrição advinda de autoridades ou tribunais internacionais poderia atingir empresas brasileiras.
Trata-se de um comando amplo, geral e irrestrito, que extrapola os limites da causa, criando uma espécie de “blindagem judicial” não apenas para as rés do caso Mariana, mas para todo o setor privado nacional diante de eventuais sanções internacionais.
O primeiro equívoco reside na forma. Questões que envolvem soberania nacional, meio ambiente e potenciais atritos diplomáticos deveriam, por sua gravidade, ser submetidas ao colegiado do STF. Ao optar pela decisão solitária, o ministro fragiliza a legitimidade institucional do Tribunal e expõe a Corte a críticas de voluntarismo judicial.
O STF, em temas dessa magnitude, deve atuar de maneira uniforme, coesa e deliberada em plenário. O gesto individual de Dino não apenas compromete a estabilidade das relações internacionais, como enfraquece o próprio peso político da Corte, que passa a ser vista como palco de decisões personalistas.
A repercussão foi imediata. O mercado financeiro reagiu com queda expressiva, superior a 2% no índice Bovespa, refletindo a insegurança jurídica criada. Empresas brasileiras, sobretudo as de atuação global, ficaram diante de um dilema: se não cumprirem sanções internacionais, podem sofrer retaliações em outros países; se as cumprirem no Brasil, correm o risco de serem punidas pelo Judiciário nacional.
Além disso, ao tangenciar a Lei Magnitsky — instrumento frequentemente utilizado pelos Estados Unidos para punir autoridades e empresas estrangeiras, e que recentemente motivou sanções contra o ministro Alexandre de Moraes — a decisão acabou por acirrar um quadro já delicado nas relações diplomáticas entre Brasília e Washington.
A decisão de Flávio Dino, ao invés de pacificar, exacerbou tensões. No plano jurídico, criou insegurança normativa; no plano diplomático, aumentou o risco de represálias econômicas; e no plano político, expôs o Brasil a um desgaste desnecessário.
É imperioso reconhecer que a defesa da soberania não pode ser confundida com isolamento. Em um mundo globalizado, a cooperação internacional é imprescindível, especialmente em temas sensíveis como desastres ambientais, que não se circunscrevem a fronteiras.
O episódio revela um duplo problema: de forma, pela adoção de decisão monocrática em matéria de relevância institucional; e de conteúdo, pela amplitude desmedida do comando judicial, que extrapola os limites da causa.
Em vez de contribuir para a pacificação, a decisão do ministro Flávio Dino agrava tensões internas e externas, gerando instabilidade jurídica, insegurança para os agentes econômicos e desconfiança na arena diplomática.
Mais do que nunca, o STF precisa reafirmar sua função de guardião da Constituição de forma colegiada, serena e institucional, evitando criar fatos políticos que apenas ampliam a crise em que o país já se encontra.
*Arcênio Rodrigues da Silva é referência no Direito Tributário e no Direito do Terceiro Setor. É sócio do Rodrigues Silva Sociedade de Advogados.