O jatobá, fruto típico do Cerrado, é reconhecido por seu valor nutricional, suas propriedades medicinais, aproveitamento total do fruto e importância ecológica. Sua polpa rica em nutrientes é utilizada em receitas e na medicina popular, enriquecendo a alimentação ao passo em que fortalece a saúde, a bioeconomia e a geração de renda em comunidades agroextrativistas. Com o aproveitamento do jatobá, abundante no estado do Tocantins, é possível contribuir para a valorização do Cerrado em pé.
José Batista, mais conhecido como Zé Meninim, é especialista em Jatobá há mais de 20 anos na APA Jalapão e se engajou na atividade graças ao incentivo da Associação Onça D’Água, organização membro da Coalizão Vozes do Tocantins por Justiça Climática. José conta que o processo para a produção da farinha do jatobá, produto base para pães, bolos, biscoitos e vitaminas, inicia já na coleta, que deve ser feita antes do período de chuvas.
“Não pode tomar chuva no mato, porque com a umidade da terra a polpa vai inchar e não vira mais farinha. É preciso armazenar em um lugar bem arejado, enxuto, mas que não tenha umidade nenhuma”, explica. “Outra coisa é o teste pra saber qual o pé em que o fruto está bom. Você quebra cinco frutos, se quatro estiverem bons você colhe, mas se estiver só um bom, não compensa colher, porque 60% dos frutos vai estar estragado”.
Produção da farinha de jatobá
Foto: Sarah Tamioso
O processo de produção da farinha de jatobá envolve etapas que combinam coletividade, técnica e tradição. Tudo começa com a coleta segura e com uso de EPIs, além da armazenagem correta. Na sequência, é realizada a quebra do fruto com uso de porrete de madeira e a seleção de polpas saudáveis.
Em seguida, a polpa do jatobá vai para o pilão ou passa por despolpadeira adaptada, com a finalidade de soltar a farinha. A partir daí, a farinha é peneirada duas vezes - em peneiras com tamanhos diferentes - e torrada a temperatura e tempo controlados, transformando-se em uma farinha fina, nutritiva, de aroma intenso e sabor característico do Cerrado.
O processo de produção coletiva, conhecido como “farinhada”, é desenvolvido com atenção à higiene, à manipulação adequada dos alimentos e ao cuidado com o ponto de torra.
Farinhada de Jatobá do Cantão
Há três anos a Associação Onça D’Água acompanha a produção de farinha de jatobá na região da APA Ilha do Bananal/Cantão em parceria com Zé Meninim, que compartilha seu conhecimento sobre o manejo e o preparo do fruto. Na última edição, realizada em outubro deste ano, o processo contou também com a participação da Associação dos Agricultores Familiares e Agroindustriais de Palmas (AGROP). O resultado foi um produto de qualidade, resultado da combinação entre saberes tradicionais e técnicas de segurança alimentar.
Guardiãs do Cerrado
Foto: Sarah Tamioso
A Farinhada de Jatobá é uma iniciativa marcada pela força das mulheres agroextrativistas, que têm assumido papel central na preservação das práticas tradicionais na proteção ambiental. No assentamento Onalício Barros, em Caseara/TO, a atividade se consolidou como um momento de partilha e de reafirmação da identidade camponesa. Ana Lúcia, agroextrativista e liderança local, destaca o significado da farinhada para a comunidade.
“É um evento que está no nosso coração e que é muito mais do que fazer farinha. Começamos com a Associação Antônio Francisco Brasil (AAFB) no primeiro ano. Em 2024 tivemos o apoio da AMA Cantão, que continua com a gente, promovendo o evento junto com a Coalizão Vozes do Tocantins, da qual o MST também faz parte. Tudo isso é para o fortalecimento e a manutenção da nossa cultura, para resgatar essa prática”, conta Ana Lúcia, que também é moradora do Assentamento Onalício Barros.
Para Ana Lúcia, um dos aspectos mais importantes da Farinhada do Jatobá é a origem do fruto utilizado no processo. Ela explica que a coleta é feita na Área de Proteção Ambiental (APA), no assentamento Onalício Barros e também nos assentamentos vizinhos que participam da atividade, contando ainda com o apoio da equipe técnica da APA Ilha do Bananal/Cantão na coleta, indicativo de reconhecimento ao trabalho dos agroextrativistas. Segundo ela, essa prática representa uma forma de resistência frente à expansão dos latifúndios e da monocultura do milho e da soja, predominantes na região, reafirmando o compromisso das famílias assentadas com a preservação e valorização do Cerrado.
Ela relata que a Farinhada do Jatobá é um evento que vai além das oficinas de beneficiamento, e integra momentos de partilha, rodas de conversa e trocas de saberes. Para Ana Lúcia, a farinhada é um espaço de fortalecimento comunitário, de preservação da cultura e de construção coletiva. Em 2025, a iniciativa reuniu mais de 100 assentados, acampados, agricultores familiares, indígenas, assessores, técnicos e integrantes do MST em um movimento de resistência e valorização dos modos de vida do Cerrado.
Realização
A Farinhada de Jatobá integra as ações da Coalizão Vozes do Tocantins por Justiça Climática, rede de organizações e comunidades comprometidas com a defesa do Cerrado e a promoção de uma bioeconomia de base comunitária. O evento é uma realização com a Associação de Mulheres Agroextrativistas da APA Ilha do Bananal/Cantão (AMA Cantão) e projeto Bem Viver, em parceria com a AAFB, APA Ilha do Bananal/Cantão e Parque Estadual do Cantão (PEC), com apoio do WRI, Fundo Casa Socioambiental, ISPN e Fundo Ecos, e cofinanciamento da União Europeia e do Global Gateway. (Coalizão Vozes do Tocantins)