Melhorar a produtividade na pecuária brasileira implica não apenas encontrar maneiras de fazer com que o gado produza mais carne ou mais leite, mas também enfrentar problemas como doenças. Uma delas é a acidose ruminal.
No animal afetado há intensa produção de ácido láctico e queda no pH do rúmen, o primeiro compartimento do estômago dos ruminantes – também conhecido como pança. A acidose tem grande importância na pecuária, uma vez que atinge principalmente animais mantidos em sistema intensivo de criação. A taxa de mortalidade é alta mesmo nos casos tratados.
Em estudo realizado por Danilo Domingues Millen e Cassiele Aparecida de Oliveira na Universidade Estadual Paulista (Unesp), em Dracena, em 2014, a acidose apareceu como o segundo maior problema de saúde reportado por nutricionistas de gado confinado, com 37,5%, atrás apenas de problemas respiratórios, com 40,4%, e bem à frente da cisticercose, com 9,4%.
Na Fapesp Week Nebraska-Texas, que reúne pesquisadores dos Estados Unidos e do Brasil até 22 de setembro nas cidades de Lincoln (Nebraska) e Lubbock (Texas), Millen apresentou resultados de estudos realizados com nutricionistas e de pesquisas que conduz sobre alimentação de ruminantes. Os dados obtidos permitem traçar um cenário da evolução das recomendações nutricionais e de práticas de gerenciamento empregadas na produção de gado confinado no Brasil.
“Fizemos três estudos, em 2009, 2011 e 2015, a partir de questionários com cerca de 80 perguntas técnicas dirigidas a nutricionistas que trabalham com gado confinado em todo o país. Seguimos um modelo desenvolvido nos Estados Unidos pelo professor Michael Galyean, atualmente pró-reitor de pesquisa da Texas Tech University. Quando se faz um levantamento desses, para se ter certeza dos resultados, é preciso abranger 80% ou 90% do nicho que você quer abordar. No Brasil, trabalhamos no primeiro estudo com 31 nutricionistas e, nos outros dois, com 33. Eles são responsáveis por algo em torno de 90% de todo o gado confinado no País”, disse à Agência Fapesp.
Millen conta que os artigos publicados a partir dos resultados desses três estudos – que contaram com apoio da Fapesp –, além de terem sido muito citados, têm auxiliado vários outros grupos de pesquisa a gerar hipóteses novas e também contribuído para que produtores avaliem suas práticas. “Produtores e nutricionistas podem ver, por exemplo, o que outros profissionais estão colocando nas dietas e melhorar suas criações”, disse.
Entre as publicações estão Survey of the nutritional recommendations and management practices adopted by feedlot cattle nutritionists in Brazil (Animal Feed Science and Technology, 2014 – ) e A snapshot of management practices and nutritional recommendations used by feedlot nutritionists in Brazil (Journal of Animal Science, 2009).
Aditivos manipuladores de fermentação
Os estudos com nutricionistas indicaram que a quantidade de concentrado alimentar tem aumentado desde 2009. Isso significa o uso de maior quantidade de carboidratos, que podem estimular problemas como a acidose.
“Todo ruminante – bovinos, caprinos ou outros –, tem uma câmara de fermentação, que é o rúmen. Lá são produzidos gases e ácidos. A maior parte da energia que o ruminante usa para produzir leite ou ganhar peso é oriunda dos ácidos produzidos no rúmen. Então, é preciso formar ácido, que é absorvido pela parede do rúmen, vai para o fígado e é usado pelo animal como energia”, disse Millen.
O problema, explica o pesquisador, é quando há excesso de fermentação. “Quando a taxa de produção de ácidos é muito mais alta do que a de absorção, de retirada do rúmen, ocorre o distúrbio chamado de timpanismo, decorrente da acidose, e o animal incha pelo acúmulo anormal de gases no estômago. O rúmen aumenta de tamanho e o animal fica com dificuldade de respirar, podendo morrer”, disse.
“A questão é que, para aumentar a produtividade, é preciso colocar na alimentação produtos de maior qualidade, que também são carboidratos que fermentam muito rápido, de modo que o animal ganhe mais peso e produza mais leite e mais rapidamente, e não dá para fazer isso somente em pasto”, disse.
Uma alternativa para diminuir o problema é o uso de aditivos na alimentação, que levem o animal a produzir menos ácidos que possam causar problemas.
“Em nosso grupo, temos pesquisado aditivos, que são microingredientes fornecidos aos animais em doses de 1 ou 2 gramas por dia. Eles exercem papel benéfico no rúmen, na fermentação. Dentre os ácidos produzidos no rúmen há ácidos fracos e fortes. Os ácidos fracos são mais benéficos para o animal ganhar peso e produzir leite. Ou seja, são aqueles que têm menor capacidade de fazer o pH cair. Entre os ácidos fortes há o conhecido ácido láctico, que o animal tem menos capacidade de absorver”, disse Millen.
“Usamos aditivos, como os ionóforos [moléculas solúveis em lipídios], que matam parte das bactérias que levam à produção do ácido láctico. Com esses aditivos, podemos controlar a produção de ácido láctico e é muito menos provável que o animal tenha acidose e timpanismo”, disse. Hoje, a maioria dos criadores de gado confinado no Brasil usa ionóforos na alimentação.
Os pesquisadores do grupo de Millen encontraram evidências de que o gado Nelore pode ser mais sensível à acidose do que outras raças, como as criadas nos Estados Unidos e Europa. Estudos futuros serão realizados para investigar a questão.
Outro foco do grupo está em estudos de adaptação. Os pesquisadores investigaram, por exemplo, qual seria o tempo mínimo ideal de transição, com relação à alimentação dos animais do pasto para o confinamento.
“Quatorze dias é a janela mínima que observamos para retirar o animal do pasto e fazê-lo comer cerca de 80% ou 85% de concentrado. É o intervalo para transicionar o animal, mudar sua dieta gradualmente de modo a tentar evitar problemas digestivos, como a acidose”, disse Millen.
Millen é também um dos editores de Rumenology (2016), sobre nutrição e produção de ruminantes. O livro destaca também uma grande variedade de aspectos que envolvem o rúmen, como sua anatomia, fisiologia, microbiologia, fermentação e metabolismo.
Mais informações sobre a Fapesp Week Nebraska-Texas: www.fapesp.br/week2017/nebraska-texas. (Fonte: Agência Fapesp)