As campanhas eleitorais já estão nas ruas e a Justiça Eleitoral enfrenta o desafio de julgar as impugnações ao registro de candidatura e os abusos do direito de campanha. Para os candidatos a dificuldade é acompanhar as mudanças legislativas e saber o que podem e o que não podem fazer durante as campanhas.
Como sabemos o objetivo central de toda campanha é a captação, conquista ou atração dos votos. Porém, como salienta José Jairo Gomes, as buscas pelos votos deve ser “pautar pela licitude, cumprindo ao candidato e seus apoiadores se curvar às diretrizes ético-jurídicas”.
A propaganda é instrumento fundamental em qualquer campanha eleitoral, sem ela é quase impossível atingir os eleitores e obter êxito no certame, na medida em que através dela os candidatos tornam público seus projetos, suas ideias e propostas.
As legislações eleitorais trazem o regramento das propagandas durante o período de campanha, ou seja, o que pode ou não pode ser feito durante as eleições. O Código Eleitoral regula a matéria nos artigos 240 a 256 e a Lei das Eleições traz a matéria nos artigos 36 a 58.
Nas eleições desse ano, tal como ocorreu em 2018, a utilização dos meios eletrônicos na campanha está a pleno vapor. As novas tecnologias alteraram substancialmente as relações em uma sociedade conectada globalmente, estabelecendo formas diferentes de interação entre as pessoas. As equipes de campanha dos candidatos percebendo a mudança se apropriaram desses processos de comunicação em massa e retiram as propagandas das ruas e concentraram nas redes sociais.
Mas uma questão tem que ser enfrentada: há plena liberdade no mundo virtual?
Os que defendem a liberdade plena sustentam que no mundo virtual não há barreiras, é aberto a todos indistintamente, além disso, afirmam que seria impossível submeter a internet a rígido controle, uma vez que a sua gestão é descentralizada, não respeitando limites territoriais, já que muitos provedores se encontram estabelecidos no exterior. Destacam ainda, os defensores da internet livre, que as restrições privam os eleitores de terem acesso as informações para a formação de suas opiniões sobre o melhor candidato e prejudica os candidatos, que ficam limitados à propaganda feita em suas próprias páginas.
Por outro lado, os que defendem a necessidade de regulamentação destacam ser a internet um espaço público, controlado por poucas sociedades empresárias e a ausência de regramentos deixa sem solução o problema de atribuição de responsabilidade jurídica pela prática de ilícitos, o que contribui, substancialmente, para a ocorrência de graves abusos, manipulação da opinião pública e a proliferação da famigeradas fake news (notícias falsas) nas redes sociais. Ressaltam que isso gera um desequilíbrio nas campanhas eleitorais, retirando a lisura das eleições, prejudicando, portanto, o normal funcionamento do regime democrático.
José Jairo Gomes, examinando a questão em sua obra “Direito Eleitoral”, editora Saraiva, 2020, salienta que por “variadas razões deve haver regulamentação estatal (e não apenas das próprias empresas que controlam plataformas) do uso da Internet e redes sociais nas eleições. Há a necessidade de se garantir a integridade, a normalidade e a legitimidade do pleito eleitoral, sendo mister evitar a manipulação do debate público, a disseminação de discursos de violência, preconceito, discriminação e ódio, a difusão de notícias falsas (fake news), de páginas e perfis espúrios. Isso para que as eleições sejam realmente democráticas, legítimas e sinceras.”
Nas eleições de 2018, as redes sociais foram palco de disseminação de notícias mentirosas, impulsionados em grande escala por organizações bem estruturadas e orientadas para esse fim específico, por pessoas que objetivavam o êxito no certame a qualquer custo.
O impulsionamento de conteúdo é um serviço pago oferecido pelas plataformas como Facebook, Instagram e WhatsApp, bem como por sites de buscas como o Google, com o objetivo de aumentar o alcance e visibilidade da mensagem, aumentando, assim, o impacto do conteúdo.
Nos termos do artigo 57-C da Lei das Eleições (Lei 9504) a licitude do impulsionamento requer: “É vedada a veiculação de qualquer tipo de propaganda eleitoral paga na internet, excetuado o impulsionamento de conteúdos, desde que identificado de forma inequívoca como tal e contratado exclusivamente por partidos, coligações e candidatos e seus representantes”. Além disso, nos termos do parágrafo terceiro do mesmo artigo, destaca que o impulsionamento “deverá ser contratado diretamente com provedor da aplicação de internet com sede e foro no País, ou de sua filial, sucursal, escritório, estabelecimento ou representante legalmente estabelecido no País e apenas com o fim de promover ou beneficiar candidatos ou suas agremiações”.
Essas restrições têm por objetivo prevenir os abusos de poder econômico e dos meios de comunicação social no processo eleitoral, preservando-se o princípio democrático e a igualdade entre os candidatos. Sem essas limitações legais, em especial a necessidade de a contratação ser realizada exclusivamente por partidos, coligações e candidatos e seus representantes, as redes sociais seriam palco de impulsionamento por apoiadores ocultos (robôs), o que impediria o controle dos gastos de campanha, bem como a imposição de responsabilidade pelos ilícitos praticados.
No entanto, se aplicada a nova Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) nas campanhas eleitorais deste ano, os candidatos só poderão enviar material de campanha após prévia autorização por escrito do eleitor que receberá a propaganda em sua casa, por SMS de celular ou aplicativos de mensagens, pelas redes sociais ou em qualquer outro meio. Assim, como ficarão os impulsionamentos de mensagens eletrônicas? Teremos os robôs nas campanhas eleitorais como ocorreu em 2018? Havendo a disparada em massa sem o cumprimento da nova Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) incidirão os faltosos em abuso de poder econômico ou dos meios de comunicação social? Desafios que a Justiça Eleitoral terá, inequivocamente, de enfrentar em 2020!
Marcelo Aith é advogado especialista em Direito Público e professor convidado da Escola Paulista de Direito