“A eficácia do programa de imunização da população brasileira está diretamente associada à recuperação econômica”. A afirmação está no Relatório de Acompanhamento Fiscal (RAF) de dezembro, da Instituição Fiscal Independente (IFI), órgão vinculado ao Senado da República, divulgado na última segunda-feira (14).
Segundo as análises do grupo de especialistas da IFI, apesar de constatada melhora da atividade econômica nos últimos meses e de as projeções preverem recuperação gradual do produto interno bruto (PIB) e da arrecadação do país, o avanço recente do contágio pelo novo coronavírus e o aumento das internações e do número de óbitos — além do tempo incerto para que as vacinas cheguem à população — mantêm elevado o grau de incerteza em relação ao desempenho da economia para o próximo ano.
Somada a isso, a dúvida quanto à evolução da demanda interna após a retirada dos estímulos fiscais, em um quadro de deterioração do mercado de trabalho e aperto das condições financeiras, limita a perspectiva de crescimento ao longo de 2021, diz o relatório.
Recuperação
O texto detalha que, nos próximos anos, dever haver uma recuperação gradual do PIB, com riscos a serem acompanhados sobretudo ao longo de 2021. A tendência também é de recuperação da arrecadação, com déficit primário no ano da pandemia projetado em R$ 779,8 bilhões. Até outubro, o déficit calculado foi de R$ 681 bilhões.
O relatório reforça o alerta para os riscos que envolvem as contas públicas, especialmente nas regras fiscais e na trajetória da dívida pública, com o teto de gastos com risco alto de ser rompido no ano que vem, “conforme a IFI tem alertado há bastante tempo”, reforça o texto.
A instituição prevê, a depender do desenrolar das contaminações e da conjuntura pandêmica, que poderá haver uma série de gastos para os quais não há previsão de orçamento no projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (Ploa). A relação dívida pública/PIB, sem um planejamento claro, de curto e médio prazos, seguirá em alta, passando de 75,8%, em 2019, para 93,1%, em 2020, e 96,2% do PIB, em 2021. Ou seja, o país passa a dever praticamente toda a riqueza gerada em um ano.
“É fundamental criar as condições que garantam a sustentabilidade fiscal do país, o que contribuirá para a recuperação da economia e a gestão da dívida pública”, diz o texto.
O PIB para 2020, segundo o relatório, deverá ficar negativo, em torno de 4,5% a 5%, mas para 2021, deve se elevar para 2,8%. Até o momento, o PIB registrou variação de -3,4% no acumulado em quatro trimestres. Nesse cenário, a principal influência negativa sobre o PIB veio do setor de serviços (taxa acumulada de -3,5% e contribuição de -2,2 pontos percentuais para a variação do PIB), seguida pela indústria (-3,5% e -0,6 pontos percentuais). A contribuição do setor agropecuário para a variação acumulada do PIB foi praticamente neutra (1,8% e 0,1 pontos percentuais).
Pré-pandemia
A IFI detecta que houve relativa recuperação da economia no terceiro trimestre, mas não o suficiente para levar o PIB de volta ao nível pré-pandemia. A taxa de crescimento do PIB do terceiro trimestre de 2020 acelerou para 7,7% (de -9,6% no trimestre anterior), devolvendo uma parte da queda acumulada no primeiro semestre (-11%, segundo dados revisados do IBGE), provocada pela pandemia.
As atividades de indústria e comércio retornaram ao patamar do início do ano. Pelo lado da oferta, o setor industrial (influenciado, principalmente, pela indústria de transformação) teve protagonismo no desempenho da atividade econômica do terceiro trimestre em relação ao anterior. O crescimento, de 14,8%, mais do que compensou a contração acumulada no primeiro semestre (-13,8%). Já a expansão mais branda do setor de serviços (6,3% após ter diminuído 10,8% no primeiro semestre) foi liderada pelo avanço no segmento de comércio (15,9% x -14,6%) que, como a indústria, retornou ao patamar do início do ano.
O setor de serviços agrega diversos subsetores afetados pela pandemia, com destaque para transporte, armazenagem e correio (12,5% x -20,6%) e outras atividades de serviços (7,8% x -21,1%). A melhora do desempenho da atividade econômica após o choque negativo de março e abril, causado pela pandemia, pode ser explicada pelo efeito da flexibilização das medidas de isolamento social, do impulso gerado pela reabertura das atividades produtivas e do impacto sobre a demanda das políticas de compensação de renda, diz o texto.
“O risco para 2021 continua presente, uma vez que a evolução da doença e o ritmo da compra de vacinas e da imunização da população ainda é incerto. Consumos das famílias e do governo e investimentos também cresceram, mas não recuperaram as perdas acumuladas no primeiro semestre”, frisa o relatório.
Pela ótica da demanda, o consumo das famílias, as despesas do governo e a formação bruta de capital fixo registraram, nessa ordem, variações de 7,6%, 3,5% e 11,0% comparativamente ao trimestre imediatamente anterior. A variação acumulada no primeiro semestre para cada uma das rubricas havia sido de: -13,0%, -8,2% e -14,5%. As exportações e as importações, por sua vez, seguiram em queda, recuando 2,1% (contra variação acumulada de -0,3% no primeiro semestre) e 9,6% (contra -12,9%), respectivamente.
Base fraca
No entanto, o relatório detalha que o crescimento de 2021 é explicado pela fraca base de comparação do ano anterior, mas o risco segue presente. Após a divulgação do resultado do PIB do terceiro trimestre, as projeções de mercado obtidas no Boletim Focus do Banco Central, passaram de -4,5% para -4,4% (para o crescimento do PIB). Para 2021, a projeção de mercado encontra-se em 3,5% — crescimento explicado, quase integralmente, pela questão estatística da reduzida base de comparação do ano anterior.
Endividamento
O relatório também diz que o endividamento público manteve a tendência de alta em outubro. O crescimento ocorre em razão das emissões de títulos necessárias para enfrentar a elevação de gastos com a pandemia. De acordo com o Banco Central, a dívida bruta do governo geral (DBGG) atingiu 90,7% do PIB em outubro, acréscimo de 13,6 pontos percentuais sobre o mesmo mês de 2019. Entre setembro e outubro, a elevação foi de 0,2 ponto percentual, evidenciando uma redução no ritmo de alta da DBGG.
A piora no déficit primário do governo central tem ocorrido em razão de uma combinação de fatores: queda nas receitas pelo enfraquecimento da atividade econômica e de renúncias e adiamentos na cobrança de tributos, pelo governo, para melhorar ao caixa das empresas. De outro lado, as despesas cresceram para atenuar os impactos da crise sobre a renda das pessoas e para o tratamento dos infectados pelo vírus. Mas essa deterioração tem sido cada vez menor em razão da melhora registrada na arrecadação a partir de agosto e da menor pressão sobre os gastos, principalmente por causa da redução dos valores pagos no auxílio emergencial.
No Relatório do Tesouro Nacional (RTN), o governo destaca que as despesas contra a covid-19 devem ser circunscritas ao exercício de 2020. Mas a IFI frisa que a materialização de alguns riscos, como uma nova onda de contaminação pelo coronavírus, pode obrigar o governo a rever essa diretriz, o que estenderia os efeitos da pandemia para 2021, pelo menos. Assim como uma interrupção da retomada da atividade econômica com a retirada abrupta dos estímulos concedidos, afetaria a recuperação da arrecadação
“O crescimento do número de infecções em novembro e dezembro acende um sinal de alerta, diante das incertezas e da falta de um plano para a imunização de toda a população brasileira em 2021. Assim, uma eventual interrupção da retomada da economia, com manutenção da taxa de desemprego em níveis relativamente elevados, poderia aumentar as pressões para que o governo retomasse o pagamento do auxílio emergencial a pessoas em situação de vulnerabilidade. Isso, por sua vez, aumentaria a despesa em um contexto de pouco espaço para acomodar novas ações dessa natureza no âmbito da regra do teto de gastos da União e na ausência de propostas que endereçassem essa questão”, analisa o RAF.
Despesas da pandemia
Ao analisar a evolução em 12 meses da despesa primária total da União, a IFI conclui que, na ausência dos gastos relacionados à pandemia, a despesa do governo estaria alinhada aos níveis observados em 2018 e 2019.
O cálculo descontou, da despesa primária, o montante de R$ 468,9 bilhões, informado pelo Tesouro Nacional, dos gastos com enfrentamento à pandemia. E também foram desconsideradas despesas da União, em dezembro de 2019, com a capitalização de empresas estatais e a revisão do contrato da cessão onerosa.
Até o início de dezembro, 85% das despesas autorizadas para o combate à pandemia haviam sido pagas. Parte do que não for pago em 2020 poderá ser executada em 2021 por meio de restos a pagar. Por serem derivados de créditos extraordinários abertos em 2020, esses gastos não estariam sujeitos ao teto de gastos de 2021. O uso dos restos a pagar poderá ser relevante, por exemplo, nas despesas da área da Saúde, como as destinadas à vacinação, diz o relatório da IFI.
Orçamento
Na seção de Orçamento, o RAF destaca que o Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (PLDO) de 2021 (que deveria ser votado no primeiro semestre) deverá ser votado esta semana, mas diversas etapas importantes não serão observadas. Já o Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA) deve ficar para o início de 2021.
Sem a aprovação do Orçamento, no início de 2021 haverá execução provisória do PLOA, disciplinada pela LDO. Nesse período, a maior parte dos gastos pode ser realizada normalmente. As regras limitam especialmente os gastos discricionários, mas, mesmo nesses casos, despesas da Saúde e da Defesa Civil, por exemplo, estão resguardadas
“Recente decisão do TCU indica que uma parte dos gastos necessários em saúde e talvez no próprio auxílio emergencial poderá ser viabilizada em 2021 por meio de restos a pagar dos créditos extraordinários editados em 2020”, destaca o relatório. (Agência Senado)