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Opinião

Começou, efetivamente, a CPI que mira as ações do Governo Bolsonaro, no dia 4 de maio. O primeiro depoente foi o ex-ministro da Saúde, Henrique Mandetta. Senadores de oposição e os governistas puderam arguir Mandetta que, no geral, saiu-se muito bem, até porque é médico, político e com ótima capacidade de comunicação com a sociedade e com seus pares.

Sabidamente, a CPI investigará as ações e omissões de Bolsonaro e seus ministros, bem como desvios de recursos federais destinados aos estados e municípios. Em verdade, o foco é o Governo Federal e os demais entes federativos foram inseridos por pressão dos aliados do Planalto. De qualquer maneira, esta é uma comissão que não terá grandes descobertas, já que o volume de declarações, lives e postagens nas redes sociais do núcleo duro do bolsonarismo estão à disposição e, certamente, já foram todas coligidas, classificadas e arquivadas para serem usadas nos momentos oportunos. Mandetta, neste cenário, foi o ministro que, nos primórdios da pandemia, estava à frente da pasta da saúde, portanto, sua presença no ministério, sendo médico e, como disse, político de ótima capacidade de comunicação, foi importante para que a sociedade brasileira tomasse contato com o que estava acontecendo, primeiros protocolos sanitários e projeções de cenários futuros. Obviamente que, nos primeiros meses, nem Mandetta, nem nenhum médico ou cientista, tinham conhecimentos plenos acerca do vírus e sua dinâmica (aliás, nem hoje, passado um ano, se conhece todas as dimensões da doença).

No campo dos questionamentos dos aliados do governo, não houve novidades nas perguntas dirigidas a Mandetta. O roteiro é repetido há um ano. Inqueriu-se o ex-ministro sobre o uso do "tratamento precoce" (cloroquina, invermectina e que tais), sobre o porquê ele, na condição de ministro, não sugeriu o cancelamento do carnaval, do já famigerado embate isolamento social x salvar a economia, sobre as compras que ele autorizou na condição de ministro, da experiência de cidades que usaram o "kit Covid" e que, supostamente, tiveram bons resultados. Em todas as respostas, sem se exaltar e tampouco usar o espaço como palanque político (Mandetta é um nome considerado presidenciável), foi explicando, à luz da ciência, da medicina, do conhecimento que tinha e que tem hoje, o motivo de suas decisões e, ainda, da compreensão do ambiente político e dos atores e forças em jogo nesta seara. Costuma-se chamar de "cascas de bananas" questões que podem gerar embaraço e fazer escorregar e estas foram lançadas, mas Mandetta desviou de todas e manteve-se dentro do binômio: ciência e responsabilidade política.

Já os senadores oposicionistas puderam, ao inquirir o depoente, amealhar informações e afirmações já sabidas e publicadas (Mandetta publicou o livro Um paciente chamado Brasil), mas que, agora, ganham o peso de um depoimento oficial, sob juramento. Renan Calheiros, relator da CPI, e Randolfe Rodrigues, proponente da comissão e seu vice-presidente, conseguiram o que queriam: relatos dos fatos de que o presidente Jair Bolsonaro, com sua visão negacionista e anticientífica, gerou um ambiente de confronto com as orientações do então ministro da saúde. Além disso, Mandetta asseverou que, em carta, alertou o presidente da gravidade da situação e de projeções em relação aos futuros contaminados e mortos. A carta já é, por muitos, considerada uma primeira prova da omissão do presidente. Aquilo que é conversado, oralmente, sem registro, tem, quase sempre, as chances de ser contestado pois fica palavra contra palavra; contudo, numa carta, com teor de texto explicativo e com advertências ao presidente, assinada pelo ex-ministro, fica, assim, registrada a ação de Mandetta e o fato da inobservância por parte do governo. Lembremo-nos da diferença entre a sociedade do "trato" com relações pessoais apalavradas e a sociedade do "contrato", com relações impessoais, na qual se utilizam documentos formais, registrados, legais e legitimados no âmbito da instituição estatal. Houve, também, declarações de que, numa reunião, tinha-se a intenção de mudar a bula do medicamento cloroquina objetivando que ela pudesse ser indicada para o tratamento da covid-19, mas, felizmente, tal ação - segundo Mandetta - não prosperou. Outro aspecto deu-se naquilo que foi chamado de aconselhamento "paralelo" do presidente, citando, inclusive, a participação de seu filho, Carlos Bolsonaro, vereador carioca, em reuniões de trabalho no bojo do ministério. Em determinado momento, uma questão feita por um senador quis que Mandetta, em sua resposta, responsabilizasse diretamente o presidente Bolsonaro pela situação pandêmica que o país se encontra e, política e juridicamente, o ex-ministro afirmou que ali estava na condição de depoente e que tal resposta/responsabilização seria o próprio objeto da CPI em curso.

Em síntese, sem arroubos de exibicionismo, sem alterar seu humor, Mandetta fez um depoimento que forneceu matéria prima para os membros da CPI, especialmente, para o senador Calheiros. Ressalte-se a boa condução dos trabalhos pelo presidente da comissão, Omar Aziz, que foi firme e cordial. O também ex-ministro da Saúde, Nelson Teich, foi ouvido em seguida; já o recente ex-ministro Eduardo Pazuello, não compareceu à comissão por, segundo informações, ter tido contato com militares contaminados pela covid-19. Muito se comenta que, em verdade, o general Pazuello está, no mínimo, receoso em prestar seu depoimento e que suas rodadas de midia training o deixaram com enorme variação de humor. Aguardemos, pois, o importante depoimento vindouro.

*Rodrigo Augusto Prando é professor e pesquisador da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Graduado em Ciências Sociais, Mestre e Doutor em Sociologia, pela Unesp.