Não chove há cinco dias nos arredores da aldeia indígena Takaywrá mas as nuvens escuras que começam a se formar no horizonte preocupam o vice-cacique Davi Camõc Krahô. “Já tá preparando chuva e se for forte vai terminar de alugar a comunidade”, lamenta o líder.
Há cerca de dez dias a água do rio Formoso subiu tanto que chegou à aldeia. De acordo com a defesa civil, o nível do rio está cerca de três metros e meio acima do normal para esta época do ano.
Aos 80 anos, o cacique da aldeia foi levado para um abrigo na cidade. Davi, vice-líder de seu povo, ficou na comunidade alagada para cuidar do que restou. “A primeira conversa com defesa civil, bombeiros, município e representante da Funai que estiveram aqui foi de remover primeiro idosos, gestantes e crianças. Eu vou ficar aqui e algumas pessoas também. A gente tem um projeto de criação de peixes e uma granja, então temos que cuidar”, disse.
A granja e a psicultura dos Takaywrá ficam afastadas da comunidade e estão seguras da cheia, mas na aldeia a situação é desumana. O rio invadiu não apenas o terreno mas entrou também nas casas, desabrigando cerca de 25 famílias.
O local onde a aldeia Takaywrá está localizada não é território indígena; faz parte de uma área de preservação permanente (APP) de um assentamento do município de Lagoa da Confusão. O povo Krahô-Takaywrá tem sido privado de seu território próprio há quase meio século.
O vice-cacique conta que há mais de 45 anos seu povo tem sido removido de um lugar para o outro e há 15 estão alocados na atual aldeia dentro da APP. “Estamos aqui de forma provisória esperando que a Funai faça a aquisição de uma área para torna-la reserva indígena. O Ministério Público Federal moveu uma ação contra a União e Funai para adquirir a terra, mas nos últimos quatro anos tivemos um governo que não se interessou muito pelos assuntos indígenas e a questão não avançou”.
Os Takaywrá sofrem com enchentes quase todos os anos. “Tivemos alagamentos em 2011, 2014, 2018, 2022 e 2023. Em 2018 a comunidade inteira foi removida para o ginásio de esportes de Lagoa da Confusão e ficamos lá mais de 60 dias esperando que a água baixasse para voltar para casa”, relatou Davi.
Também em Lagoa da Confusão, um outro povo passa pelo mesmo descaso. Os Krahô-Kanela da aldeia Catàmjê também estão com água pelas canelas. A certeza de que o rio vai subir mais tem deixado o cacique, Wagner Katamy Krahô-Kanela, preocupado.
“A água começou a entrar na nossa aldeia, fizemos um dique mas ele não barrou a água e estourou em três lugares. Se der outra chuva forte vai alagar toda nossa comunidade aqui”, diz ele em um vídeo gravado na porta de uma das casas da aldeia onde a água já invadiu.
A aldeia Catàmjê fica dentro do território indígena Krahô-Kanela, entre os rios Javaé e Formoso. A cheia é sempre esperada a cada estação chuvosa, mas de uns anos para cá os alagamentos, que antes ocorriam a partir do final de fevereiro, têm aconrecido cada vez mais cedo.
Tanto os Krahô-Kanela quanto os Krahô-Takaywrá lutam contra um vilão em comum: o agronegócio que se beneficia dos projetos de irrigação comuns na região. “Nós estamos rodeados pelos projetos [de irrigação]. Esses projetos fazem paredões para segurar a água e, às vezes, para retirar a água. E tem o período em que eles puxam a água do rio, que vai de julho a novembro, quando o rio fica muito seco. E na época de alagamento a água tem dificuldade de circular devido aos paredões e barragens que são feitas”, denuncia.
A aldeia fica a cerca de um quilômetro e meio do rio Formoso. Após a grave cheia de 2018, indígenas, com apoio do município e estado, conseguiram fazer um aterramento ao redor da comunidade, mas o obstáculo não foi suficiente para conter as águas desta estação.
Até esta quinta-feira, 2, a aldeia Catàmjê não havia recebido visita de representantes da Funai. Entramos em contato com a assessoria de comunicação do órgão para saber quais providências estão sendo tomadas, tanto no caso dos Krahô-Kanela, quanto dos Krahô-Takaywrá. A Funai ainda não respondeu aos questionamentos.
Está prevista para este sábado, 4, uma visita da secretária dos povos originários e tradicionais do Tocantins, Naubia Werreria.
“Queremos apoio do Estado Brasileiro. Precisamos de ajuda com alimentos, combustível. A nossa escolinha tá minando água no chão, no posto de saúde já não dá para atender mais porque tá cheio de água. Precisamos de transporte para a cidade e queremos aterrar nossa aldeia para não sofrermos mais com enchentes”, desabafou o cacique.