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Cotidiano

Foto: Anderson Coelho

Foto: Anderson Coelho

Vinte e um anos depois do primeiro ataque a escola registrado no Brasil, hoje contamos tristes 24 casos que deixaram 137 vítimas: 45 fatais e 92 não fatais. Para subsidiar o debate na construção de políticas públicas para a prevenção e rápida resposta a estas ocorrências, o Instituto Sou da Paz lança um estudo inédito que revela em números o caráter ainda mais destrutivo dos ataques com uso de armas de fogo. Revólveres e pistolas foram usados em onze casos, contra dez com armas brancas, e os ataques a tiros geraram três vezes mais vítimas fatais do que as ocorrências com armas cortantes ou perfurantes.

Em média, os casos com arma branca tiveram uma vítima fatal e três não fatais, enquanto os com uso de arma de fogo resultaram em três vítimas fatais e cinco não fatais. Dois dos três casos de maior número de vítimas ocorreram a partir de 2019, o mesmo ano em que teve início a flexibilização do acesso às armas promovida pelo governo Bolsonaro. Outros tipos de armas, como balestra (dispositivo que dispara flecha, também conhecido como besta), quando usados como artefato principal, não deixaram nenhuma vítima fatal.

Casos/Vítimas Fatais

Arma principal utilizada

%

%

arma de fogo

11

46%

34

76%

arma branca

10

42%

11

24%

arma de pressão

1

4%

0

0%

balestra

1

4%

0

0%

explosivos

1

4%

0

0%

Total

24

45

Em 60% dos casos, as armas de fogo já estavam na residência do agressor e pertenciam ao pai, mãe ou a outro parente que residia na mesma casa. Em 40% dos casos, as armas de fogo eram de um servidor da área da segurança (policial, perito, guarda) e 20% foram subtraídas de seu proprietário legal e revendidas ou vendidas diretamente por ele. Em pelo menos três casos, os alunos tentaram obter uma arma de fogo para o ataque, mas não conseguiram.

A maior parcela de agressores é composta por alunos e ex-alunos e em pelo menos 20 casos houve o planejamento por semanas ou meses. Este diagnóstico reforça que há um prazo hábil para que a comunidade escolar (funcionários, professores, alunos e pais) possa notar mudanças de comportamento ou até atos preparatórios e consiga tomar medidas para intervir precocemente e prevenir os ataques. Por isso, é necessário estruturar e preparar a comunidade escolar para identificar os sinais antes dos ataques e agir com eficácia.

"O estudo mostra que a disponibilidade de armas em residências favorece esse tipo de crime e aumenta a letalidade. Em alguns casos, estudantes tentaram e não conseguiram armas de fogo para usar nos ataques, o que poderia ter aumentado o número de vítimas. Isso coloca em evidência o quão crucial é o controle do acesso às armas para redução da letalidade destes eventos, já que ferimentos com armas brancas e armas de pressão são menos graves e têm mais chances de defesa, socorro e recuperação da vítima", diz Carolina Ricardo, diretora-executiva do Instituto Sou da Paz.

Onde ocorreram os ataques

Treze unidades da federação tiveram ataques e somente o estado de São Paulo registrou mais do que dois. Na divisão entre cidades, apenas o Rio de Janeiro teve mais de um caso. Em termos regionais, o Sudeste, seguido por Nordeste e Sul, Centro-Oeste e a região Norte.

Quando ocorreram

Só no primeiro quadrimestre de 2022 foram registrados cinco casos, três deles na mesma semana de abril. Dois dos três ataques com maior número de vítimas ocorreram entre 2019 e 2022, o mesmo período em que se iniciou a flexibilização do acesso às armas promovida pelo governo Bolsonaro.

Um quarto de todos os ataques ocorreram nos meses de abril, o que aponta um diálogo dos autores com casos de grande repercussão cultuados em grupos de extrema-direita, já que os massacres de Columbine, nos EUA, e do Realengo, no RJ, ocorreram em abril.

Quem fez os ataques

O grupo de agressores é formado exclusivamente por meninos e homens, reforçando um fenômeno ligado ao universo masculino. A maioria (88%) dos ataques foi cometida por apenas um autor. A média de idade é de 16 anos.

Na maioria dos casos (93%), o alvo tem algum significado ou vínculo com o agressor. A maior parcela de autores é composta por alunos (59%) e em pelo menos dois casos o agressor estava há meses sem ir às aulas, sem que nenhuma providência de busca ativa - considerada um fator de proteção - tenha sido feita pelas autoridades, o que contribui para o isolamento e radicalização desses estudantes ao ficarem longe do ambiente escolar.

Como fizeram

A arma mais presente em ataques é o revólver .38, que foi por décadas a arma mais vendida no mercado doméstico a civis, e até hoje é usada preferencialmente por empresas de segurança privada.

Tipo

Calibre

%

Garrucha

.22

1

7%

Garrucha

.38

1

7%

Revólver

.32

2

13%

Revólver

.38

8

53%

Pistola

.40

3

20%

Total

15

80% das armas se enquadram nas categorias que até maio de 2019 eram de uso permitido a civis. Das três pistolas .40, que antes de 2019 eram de uso restrito, duas eram de propriedade de parentes que trabalhavam nas forças de segurança e uma delas era registrada por um CAC (Sobral-CE). Em ao menos dois dos casos envolvendo armas de fogo há relatos de que o pai havia ensinado o agressor menor de idade a atirar (Aracruz e Sobral).

Algumas recomendações para coibir novos ataques

No estudo, o Instituto Sou da Paz traz algumas recomendações para a prevenção de novos casos com foco em diferentes atores, principalmente órgãos de segurança e educação, como:

- Corresponsabilização de plataformas digitais.

- Criação de equipes policiais treinadas em monitoramento de redes sociais com capacidade de realização de análise de risco, para triagem e atuação preventiva.

- Fortalecimento da ronda escolar, fortalecimento de vínculos entre a direção da escola e batalhões locais.

- Treinamento e estabelecimento de protocolo de ação para que policiais militares possam responder a estes eventos de modo a eliminar a ameaça mais rapidamente possível, preparar socorro e evacuação das vítimas.

- Estabelecimento de programas específicos para a saúde mental dos estudantes e de mediação e justiça restaurativa nas escolas para lidar com conflitos e bullying, que devem ser conduzidos por profissionais dedicados a esta atividade, sem sobrecarregar professores com mais estas atribuições.

-Treinamento de professores e funcionários para que consigam identificar comportamentos    que precisam despertar ações da comunidade escolar.

- Criar ações para instruir as pessoas a evitarem repassar boatos e mensagens sem procedência identificada, para evitar pânico.

- Endurecimento do controle e fiscalização da compra de armas de fogo e munições para restringir o acesso a instrumentos mais letais por parte dos agressores.

- Rever facilitações dadas para permissão de adolescentes (a partir de 14 anos) a clubes de tiro, ainda que acompanhados de um responsável.