Gerson Krahô é indígena da aldeia Forno Velho, em Itacajá. Pelo menos uma vez por mês ele ou alguém da família vai à cidade fazer compras. Na última visita, além dele, crianças, idosos e uma pessoa com deficiência física foram transportados, até o limite do município, na carroceria de uma camionete, sem condições mínimas de segurança. “Todo mês fazemos compras aqui na cidade. E é sempre assim, a gente aproveita para vir à cidade resolver tudo que a gente precisa. Viemos na carroceria , amontoados. Sabemos que é perigoso, mas é o que acontece”, disse.
A situação de Gerson foi flagrada, no último dia 8, pela promotora de Justiça de Itacajá, Carolina Gurgel, que chamou a polícia e acompanhou a prisão de um comerciante local, apontado pelos indígenas como o responsável pelo veículo. Encaminhado à delegacia, o comerciante deve responder por colocar a vida e saúde dos indígenas em perigo direto e iminente (art.132 do código penal).
Segundo a promotora de Justiça de Itacajá, infelizmente, o transporte irregular ainda é comum na cidade e, nesta quinta-feira, 22, virou alvo de recomendação do Ministério Público do Tocantins (MPTO) direcionada a instituições públicas e privadas, para garantir a segurança no transporte de pessoas hipervulneráveis, como crianças e indígenas, na região.
Atuação
Na última terça-feira, 21, a promotora de Justiça participou, na aldeia Krahô Mangabeira, de uma reunião com representantes dos indígenas, Prefeitura municipal, comerciantes e Fundação Nacional do Índio (Funai) para tratar do assunto. Segundo ela, foram vários os relatos de transporte sem proteção mínima de segurança e em flagrante desrespeito às normas de trânsito vigentes e aos direitos humanos fundamentais, já que algumas manifestações citam carrocerias sujas de sangue animal e fezes de bovinos.
Nesta quarta-feira, 22, outra reunião foi realizada, desta vez reunindo comerciantes, Prefeitura, Câmara Municipal de Itacajá e Detran Tocantins a fim de buscar soluções para os problemas. “Além da Recomendação, vamos abrir um procedimento em relação a denúncias de atendimento comercial discriminatório e de retenção indevida de documentos pessoais do povo Krahô, para fins de orientação aos órgãos públicos locais”, esclareceu a promotora de Justiça.
Recomendação
Na recomendação, o MPTO requereu à Prefeitura de Itacajá que comprove a realização de obras de manutenção das estradas que dão acesso às aldeias indígenas e povoados pertencentes ao município, viabilizando o tráfego de veículos de transporte coletivo (ônibus, vans, micro-ônibus e/ou equivalentes).
A Prefeitura também deve prestar contas dos recursos recebidos para manutenção das estradas e aquisição de combustível, em razão do Termo de Cooperação firmado em 2023, com a Agência Tocantinense de Transporte e Obras (Ageto) e parceria com a Funai.
O Município ainda deve elaborar um plano de ação coordenada da rede de assistência social local, em colaboração com a Funai, Secretaria de Saúde Indígena (Sesai) e Secretaria Estadual dos Povos Originários, para monitorar aqueles que estão em situações de insegurança alimentar devido à impossibilidade de tráfego.
Também deve providenciar o fornecimento de cestas básicas ou disponibilidade de veículo para transportar mercadorias de gênero alimentício às respectivas aldeias. O prazo dado é de 10 dias.
Segundo a promotora, as medidas sociais são necessárias, pois ficou claro nos relatos colhidos durante as reuniões que existe um risco de falta de abastecimento das aldeias.
Outros
No documento, a Associação de Comerciantes de Itacajá precisa comunicar aos donos de estabelecimentos de Itacajá e região que deixem de realizar o transporte de pessoas em veículos de carga, em desacordo com as leis de trânsito vigentes, sob pena de responsabilização civil, penal e administrativa.
Também há recomendação para que a Polícia Militar oriente os policiais de Itacajá sobre a necessidade de atuação ostensiva em relação aos problemas relatados.
A Funai deverá prestar auxílio e orientação ao Município na adoção de mecanismos e políticas públicas voltadas ao transporte coletivo rural da população indígena local, inclusive com análise da viabilidade de parceria e/ou cooperação neste segmento. À Secretaria dos Povos Originários e Tradicionais, caberá prestar auxílio e orientação ao Município na adoção de mecanismos e políticas públicas voltadas à população indígena.
Histórico
A promotora de Justiça, Carolina Gurgel, ainda ressalta que foram adotadas diversas medidas no âmbito extrajudicial, com o fim de solucionar a demanda administrativamente.
Além de reuniões com autoridades locais, regionais e estaduais, foi expedida recomendação, em junho de 2023, concedendo prazo para que o Município realizasse a manutenção das estradas e para que os comerciantes adquirissem veículos adequados, entre outras medidas. (Ascom MPTO)