Sem responder aos pedidos da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), maior referência do movimento indígena no país, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Gilmar Mendes, agendou para o dia 5 de agosto a primeira reunião da câmara de conciliação que avaliará a Lei 14.701/2023, que legaliza o marco temporal e diversos crimes contra os povos indígenas no Brasil. A Apib repudia a decisão e afirma que o direito ao território tradicionalmente ocupado é um direito originário que está previsto na Constituição Federal de 1988 e não pode ser negociado.
Na Corte, a Apib protocolou uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) e solicitou que a Lei do Genocídio Indígena, como é conhecida, seja declarada inconstitucional e suspensa até a finalização do julgamento no STF (ADI 7.582). Em outra ação, a Articulação solicita que todos processos que tratam do marco temporal tenham como relator o ministro Edson Fachin, visto que ele foi responsável pelo Recurso Extraordinário (RE) 1017365 que tratou da Terra Indígena (TI) Ibirama La-Klãnõ, território do povo Xokleng, e declarou o marco temporal como inconstitucional em 2023.
"Essa decisão do ministro Gilmar Mendes contraria a Constituição, mas também o próprio Supremo. Nós já estamos vivendo os efeitos da Lei do Genocídio Indígena e os ministros não podem voltar atrás do que foi dito. Queremos que eles nos ouçam e não coloquem nossas vidas na mesa para negociação", diz Dinamam Tuxá, coordenador executivo da Apib.
Além disso, Maurício Terena, advogado indígena e coordenador do departamento jurídico da organização, explica que a criação da câmara de conciliação deveria ser discutida no plenário do Supremo Tribunal Federal, o que não ocorreu até o momento. Para ele, o agendamento da reunião representa um atropelo e dá apenas 20 dias para que a Apib indique os seus representantes.
As reuniões de conciliação estão previstas para ocorrer entre 5 de agosto a 18 de dezembro com a participação de membros do Senado, Câmara dos Deputados, Governo Federal, dois governadores e um representante da Confederação Nacional dos Municípios (CNM) e Frente Nacional dos Prefeitos (FNP). Seis representantes da Apib e suas sete organizações regionais de base podem participar das reuniões, o que ainda será debatido entre as lideranças nas próximas semanas.
Alerta feito a ONU
No dia 29 de maio, lideranças da Apib, Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo (Apoinme), Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab) e do Conselho Terena entregaram a relatora de direitos ambientais da Organização das Nações Unidas (ONU), Astrid Puentes Riaño, um relatório sobre mudanças climáticas, no qual alertaram sobre a negociação dos direitos indígenas pelo Estado brasiliero.
O alerta ocorreu após a decisão do ministro Gilmar Mendes no STF, que dia 22 de abril, durante o Acampamento Terra Livre 2024, determinou a criação de uma câmara de conciliação para discutir o marco temporal e manteve a vigência da Lei 14.701/2023.
O departamento jurídico da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) também elaborou uma nota técnica, onde também demonstrou preocupação com a decisão e contestou as medidas de Mendes.
Agora, com as reuniões de conciliação marcadas, Kleber Karipuna, coordenador executivo da Apib, convoca organizações, artistas, criadores de conteúdo e lideranças indígenas e não indígenas para uma mobilização. "Essa pode ser mais uma das maiores violações dos direitos indígenas na história recente. Não podemos nos acovardar! Vamos nos mobilizar em Brasília, em todos territórios, aldeias, comunidades e nas redes".
PEC da morte
No Congresso Nacional, o marco temporal ganhou um novo capítulo com a Proposta de Emenda Constituição 48, intitulada como PEC da morte pelo movimento indígena. Apresentada pelo senador Hiran Gonçalves (PP-RR) logo após a derrubada do marco temporal no STF, a PEC prevê a alteração do art. 231 da Constituição Federal de 1988 para regulamentar a tese como constitucional.
O senador Davi Alcolumbre (União Brasil/ Amapá) anunciou no dia 3 de julho que a PEC da morte deve entrar na pauta da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) do Senado Federal na próxima quarta-feira, 10 de junho.
A Apib reitera que o Congresso Nacional tem promovido ações coordenadas contra os povos indígenas e que o direito ao território ancestral e sua demarcação é uma cláusula pétrea da Constituição, ou seja, não podem ser alteradas nem mesmo por meio de emenda constitucional. (Apib)