Os governantes não gostam de ver seus retratos em preto e branco. Só a cores. Alguns até olham para o espelho, como a madrasta da Branca de Neve, e fazem a pergunta: “espelho, espelho meu, há alguém mais competente do que eu”? O deleite que desfrutam na cama do poder acaba desenvolvendo neles uma cultura de fruição, que lhes enfraquece a capacidade de ver as coisas com isenção, acuidade e objetividade. Tornam-se imunes à realidade. Cobrem-se com um manto que os deixam em estado contínuo de dormência.
O poder provoca delírios e, assim, com o porre que lhes adormece as mentes, os governantes cometem seu primeiro pecado capital. É o pecado da insensibilidade. Fecham olhos e tampam os ouvidos para as demandas sociais. E passam a atender aos pedidos de seus parceiros.
De tanto ver de perto, eles se desacostumam a ver de longe. Da tênue autoconfiança do início do governo, passam a maximizar essa qualidade, após alguns anos com a caneta na mão.
Transformam-se em imperadores, donos do mundo, senhores de capitanias hereditárias. Incorporam o Complexo de Olimpo, com toda sua aura divina. Olimpianos, garantem que as realizações e programas, tanto no Governo do Estado quanto nas prefeituras, se devem à magnanimidade de sua índole, e não às obrigações e funções inerentes às atividades governativas. Mostram-se bondosos e generosos.
Ou seja, o povo (um mero detalhe) é inoculado com a injeção mistificadora que sobrepõe a identidade física do governante sobre o conceito jurídico do Governo. Pior: acabam se achando o representante de Deus em seu espaço governativo. Registra-se, aqui, o segundo pecado capital, o pecado do sentimento da onipotência.
O mandonismo imperial está assentado no poder do dinheiro. Os governantes decidem o quê, onde e como fazer. O planejamento orçamentário contemplará obras fundamentais, porém não deixará de atender ao varejo eleitoral. Para eles, o metal (vil?) compra tudo. Com muito dinheiro, não perderão a eleição. E aqui está seu terceiro pecado capital: a crença na força absoluta da grana.
Depois de meses de incessantes atividades administrativas e políticas, os governantes amolecem a musculatura e começam a padecer de rotinite aguda. Estados e Municípios comem apenas o feijão e o arroz necessário à magra existência. Não há nenhuma criatividade, não se buscam soluções inteligentes e inovadoras. Ou racionais. O caldo insosso acaba produzindo o quarto pecado capital dos governantes, a rotinite, o pecado da rotina.
Daí para o quinto, o salto é pequeno. Pois os governantes já não obedecem a uma agenda planejada. Não administram seus tempos de acordo com um sentido de prioridades e lógica. Tudo ocorre ao bel-prazer. A desorganização grassa por todos os lados, principalmente em ano eleitoral, bagunçando as malhas burocráticas e gerando improvisação.
Mas tudo caminha às mil maravilhas, porque os assessores mais próximos capricham no puxa-saquismo. Vivem fazendo elogios, escondem as coisas malfeitas, sobrevalorizam os feitos positivos e puxam para baixo do tapete os atos inescrupulosos. Assessorias desqualificadas e grupinhos que, em tempos idos, ganhavam o apelido de “luas-pretas”, formam um dos maiores danos à imagem e à eficácia dos Governos. Descortina-se o pano de fundo do sexto pecado capital, a bajulação consentida.
E lá se vão os governantes desfilando suas glórias, feitos e emoções à imagem e semelhança do Criador. Suas carruagens de fogo e seus cometas planetários trafegam pelos céus, deixando rastros de nuvens coloridas que se esvaem nos ventos do tempo. Gastam o que podem e o que não podem em publicidade. De tanto andarem de sapato de salto alto, os governantes, insensíveis, pisam nos pés do povo. Têm respostas prontas para perguntas que não são feitas. “O sr. acredita em Deus”? Resposta: “se ele existir, sim, acredito”.
Procuram, todo tempo, demonstrar que o melhor para as massas desprovidas e incultas é aquilo que eles, governantes, acham que elas merecem. Temem pesquisas de opinião pública, garantindo que estão erradas quando não trazem resultados que lhes sejam favoráveis. São feitas por institutos picaretas. Nesse ponto, os governantes abrem as portas do seu inferno para comemorar o sétimo pecado capital, o desprezo ao senso comum. No final das contas, esses perfis não merecem um Pai-Nosso.
*Gaudêncio Torquato é escritor, jornalista, professor titular da USP e consultor político.