Um relatório da atividade Sancionadora da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) divulgado recentemente revelou que as pirâmides financeiras seguem sendo o crime mais reportado à entidade autárquica. Entre abril e junho deste ano, dos 15 comunicados emitidos ao Ministério Público, quatro foram relacionados a esse tipo de crime. Os números mostram uma tendência alarmante no mercado de capitais brasileiro.
A gravidade do problema que essas pirâmides representam para o país é reforçada também pelo estudo do Instituto de Proteção e Gestão do Empreendedorismo e das Relações de Consumo (IPGE), que mapeou mais de 1.600 casos de crimes financeiros na última década. Apesar da crescente demanda por fiscalização e combate a fraudes, a atuação da CVM segue marcada por inconsistências, falta de transparência e, em muitos casos, uma fuga de responsabilidade.
O mapeamento do IPGE revelou um cenário preocupante, em razão do exponencial prejuízo causado por esses esquemas fraudulentos identificados aos milhares de investidores no Brasil. Os números refletem uma tendência de crescimento alimentada por uma regulação frouxa e por lacunas que permitem aos fraudadores operarem com relativa liberdade. O fato de que a CVM é o principal órgão a quem essas fraudes são reportadas levanta questões sobre sua eficácia e postura diante desse desafio.
Apesar de ser o órgão encarregado de zelar pelo mercado de capitais, a CVM frequentemente adota uma postura passiva e burocrática, eximindo-se de responsabilidade. Em muitos casos, o órgão alega que certos esquemas não se enquadram nas suas atribuições legais, transferindo o ônus para outras entidades ou deixando a questão sem resposta.
Essa falta de ação imediata cria um vácuo regulatório que facilita a proliferação de crimes como as pirâmides financeiras. O estudo do IPGE mostra que muitos desses esquemas só são investigados pela CVM após anos de operação, quando os danos aos investidores já são irreversíveis.
Como obstáculo adicional, ainda pode-se colocar o fato de que a atuação da CVM é marcada por critérios inconsistentes e pela falta de clareza em suas decisões. Casos semelhantes recebem tratamentos diferentes, sem que haja justificativa plausível para essa variação. Esse comportamento gera uma sensação de incerteza e arbitrariedade que abala a confiança dos investidores no mercado e no próprio órgão regulador. A ausência de comunicação clara sobre as investigações e a falta de uma abordagem padronizada fragilizam o mercado financeiro, deixando os investidores desprotegidos.
Diante de todo esse quadro, não é exagero afirmar que é evidente e urgente a necessidade de uma reforma na CVM. O órgão precisa passar por uma reestruturação que o torne mais ágil, proativo e transparente. Deve, ainda, buscar maior integração com outros órgãos investigativos, como o Ministério Público e a Polícia Federal, sem o qual tem sua capacidade enfraquecida para lidar com crimes complexos, como são as pirâmides financeiras. A maior cooperação entre as entidades responsáveis é essencial para que o combate a esses esquemas seja realmente eficaz.
A CVM tem um papel fundamental na proteção do mercado de capitais brasileiro, mas sua atuação precisa ser revista. Se continuar com a atual postura reativa, o Brasil continuará sendo terreno fértil para esquemas fraudulentos.
O próprio relatório da entidade e o mapeamento de mais de 1.600 fraudes feito pelo IPGE é um alerta claro de que o mercado está em risco e a ineficácia da CVM deixa os investidores à mercê de fraudadores. O futuro do mercado depende de uma autarquia mais forte, transparente e responsável, capaz de atuar preventivamente e com critérios claros. Caso contrário, o ciclo de fraudes continuará a crescer, gerando mais prejuízos e mais vítimas.
*Jorge Calazans é advogado especialista na área criminal, conselheiro estadual da Anacrim e sócio do escritório Calazans & Vieira Dias Advogados, com atuação na defesa de vítimas de fraudes financeiras