Estudo da Embrapa Cerrados (DF) e da Universidade de Brasília (UnB) demonstra que planos alimentares de alta densidade energética em curto prazo aumentam em 21% a produção de embriões in vitro em novilhas pré-púberes e garantem retorno financeiro até 2,8 vezes maior em relação à dieta convencional. Apesar de mais cara, a estratégia também antecipa a puberdade das novilhas e pode ter seus resultados potencializados com o uso da melatonina, hormônio natural que contribui para melhorar a qualidade embrionária.
Testes com novilhas pré-púberes da raça Nelore submetidas a esse regime nutricional mostraram aumento na produção de ovócitos e embriões, além de apresentarem maior peso e deposição de gordura na carcaça, permitindo o alcance mais precoce do peso para reprodução.
A melhoria da eficiência reprodutiva e a redução da idade do parto em fêmeas contribuem para a eficiência econômica dos sistemas de produção de bovinos de corte e de leite, minimizando problemas de reprodução tardia em raças como a Nelore, além de acelerarem os programas de melhoramento genético por reduzirem o intervalo entre gerações, afirma Carlos Frederico Martins, pesquisador da Embrapa Cerrados. “Quanto mais jovens as novilhas ficarem prenhas e deixarem descendentes, mais compensador é para o sistema financeiramente. Tem sido demonstrado que se a primeira prenhez ocorrer aos 14 meses, em vez de aos 24, que é a idade adulta, os custos de produção diminuem, mesmo com um manejo preparatório diferenciado para as fêmeas”.
Ele explica que novilhas pré-púberes podem apresentar um maior número de folículos ovarianos disponíveis para aspiração e produção de embriões em laboratório. Porém, as taxas de produção de embriões in vitro das fêmeas nessa faixa etária são inferiores às de vacas adultas. Entre os principais fatores que influenciam a idade da puberdade e a precocidade sexual das fêmeas, estão o peso e a gordura corporal, que refletem o nível de alimentação durante o crescimento. Segundo Martins, o aporte nutricional pode afetar diretamente os folículos ovarianos, ovócitos e embriões.
Pesquisas mostram que novilhas entre quatro e nove meses de idade são mais sensíveis aos efeitos da antecipação da puberdade resultante do maior fornecimento de nutrientes, podendo aumentar a produção e a qualidade de ovócitos e embriões. E o principal fator nutricional que afeta a reprodução em bovinos é justamente a ingestão de energia, apesar de ainda haver poucos dados de pesquisa que relacionem os reflexos de dietas mais energéticas em fêmeas jovens.
“Nossa hipótese era de que o aumento na quantidade e na qualidade dos ovócitos em novilhas pré-púberes alimentadas com dietas de alta densidade energética está relacionado ao melhor desenvolvimento corporal e à deposição moderada de gordura promovida por essa suplementação alimentar, que gera maior disponibilidade de metabólitos e melhora o equilíbrio hormonal nesses animais”, observa o pesquisador, salientando a importância da gordura corporal para o início da puberdade e o alcance da maturidade sexual.
Mais energia ingerida, mais ovócitos e embriões
Em experimento na Embrapa Cerrados, 34 novilhas da raça Nelore pré-púberes, pesando cerca de 160 kg em média, foram suplementadas, durante um mês, com farelo de soja, milho moído e minerais. Os animais também foram amamentados pelas mães e tiveram acesso a uma pastagem de Urochloa brizantha cultivar Marandu. Após o desmame, aos seis meses e meio de idade, em média, as novilhas foram distribuídas de forma homogênea quanto à idade, peso e mérito genético em dois tratamentos com planos nutricionais distintos: um convencional e outro de alta energia.
Embriões de bezerras Nelore produzidos produzidos in vitro com Melatonina (Foto: Carlos Frederico Martins)No tratamento com a dieta convencional (PN1), as novilhas foram mantidas na pastagem durante a estação seca, com consumo médio de concentrado (ração) de 1,4 quilos por dia (kg/dia), equivalentes a 0,7% do peso vivo médio. A dieta foi formulada para um ganho de peso de 400 gramas por dia (g/dia). No início da estação chuvosa, os animais permaneceram no mesmo pasto e com consumo médio de concentrado de 650 g/dia, equivalente a 0,25% do peso corporal, numa dieta para ganho de peso de 700 g/dia.
Já no tratamento nutricional de alta densidade energética (PN2), os animais receberam dietas contendo 26% e 19% mais energia metabolizável que a utilizada no PN1 nas estações seca e chuvosa, respectivamente. Na estação seca, as novilhas foram mantidas confinadas após o desmame e alimentadas com média diária de 11 kg de silagem de milho e 1 kg do concentrado, equivalente a 0,33% do peso vivo, para ganhos de 800 g/dia. No início da estação chuvosa, os animais foram suplementados com 1,87 kg/dia (0,35% do peso vivo) do concentrado. A dieta foi calculada para ganhos de 1 kg/dia.
O pesquisador Eduardo Eifert, responsável pela elaboração das dietas, revela que o experimento teve uma preocupação prática: avaliar os planos nutricionais sobre a produção e qualidade de ovócitos em novilhas, mas partindo, como referência, de um regime alimentar corriqueiramente utilizado para que as novilhas alcancem pesos mínimos adequados para a reprodução (de 280 a 300 kg) aos 12 a 14 meses de idade.
“O PN1 utiliza suplementos energéticos proteicos na seca e nas chuvas com as novilhas a pasto. Aumentos de energia na dieta podem ser conseguidos com outra prática para essa categoria, como o sequestro dos animais quando são confinados durante a seca, permitindo o fornecimento de dietas mais calóricas e com maior desempenho. Assim, os tratamentos simulam o manejo alimentar de novilhas que entrarão em reprodução em idade jovem e que frequentemente são observados nos sistemas de produção de fazendas do bioma Cerrado”, pontua.
Ao completarem nove meses e meio de idade, em média, as novilhas foram submetidas a aspirações foliculares a cada 21 dias por três meses, para avaliação de parâmetros de competência ovocitária e produção de embriões.
Os animais que receberam a dieta do PN2 apresentaram 49% a mais de ovócitos recuperados que os animais do PN1, além de 42% mais viáveis. A taxa de produção de embriões foi 21% superior – a taxa de blastocistos em D7 (estágio de desenvolvimento do embrião sete dias após a fecundação) foi de 24,4% para PN1 e de 29,7 para PN2. (Ver Tabela 1) Além disso, aos 12 meses e meio de idade, as novilhas sob o PN2 tinham maior peso médio (321 kg contra 309 kg) e melhor acabamento de carcaça.
“Os maiores índices de crescimento animal e de aumento de percentuais de gordura nas novilhas do PN2 podem ter influenciado a puberdade precoce e o aumento do número de ovócitos viáveis, permitindo que elas apresentassem o mesmo potencial de desenvolvimento embrionário que os ovócitos de vacas adultas”, comenta Martins, acrescentando que o maior peso corporal e a deposição moderada de gordura possibilitaram, ainda, que as novilhas atingissem o peso para reprodução sugerido aos 12 a 14 meses de idade.
Dieta energética trouxe maior retorno financeiro
A pesquisa também realizou a análise financeira da produção de embriões a partir dos dois planos alimentares. Os custos de alimentação foram estimados com base no consumo real e nos valores comerciais (preços de julho de 2020) dos ingredientes para formulação das rações, da tonelada de milho para silagem e dos minerais. Também foram incluídos as despesas operacionais (mão de obra, energia elétrica, serviços veterinários e laboratoriais, medicamentos, encargos, entre outros) e os custos para pastagens, baseados nos valores de aluguel mensal de pasto por animal nas fases inicial e de recria.
Três biotécnicas de produção de embriões foram consideradas: embrião fresco produzido por fertilização in vitro (demanda receptoras previamente sincronizadas para receberem embriões após sete dias de cultivo), com orçamentos comerciais de R$ 75 e de R$ 90; embrião vitrificado (requer o congelamento e descongelamento em laboratório, mas confere maiores taxas de prenhez), a R$ 140; e embrião criopreservado para transferência direta (TD) para a receptora, que não necessita de laboratório, a R$ 160.
Para esses três cenários, o custo da alimentação e da mão de obra na dieta PN2 foi maior que no controle (PN1) tanto na estação seca (29%) como na chuvosa (36%). Em média, cada novilha submetida ao PN2 produziu 6,8 embriões, 3,2 a mais que os animais sob o PN1 (3,6), o que acarretou maiores custos de produção de embriões nas três biotécnicas.
Por outro lado, o maior rendimento na produção de embriões pelos animais que receberam a dieta PN2 resultou numa receita média 77% maior que a do grupo controle. A margem bruta no tratamento PN2 durante a recria foi 2,7 vezes maior que a do PN1 para embriões TD, 2,6 vezes maior para embriões vitrificados e 2,1 vezes maior para embriões a fresco. Já a margem líquida do plano alimentar PN2 foi 2,8 (embriões TD), 2,7 (embriões vitrificados) e 2,2 (embriões a fresco) vezes maior que no plano alimentar controle. Na comparação entre as técnicas de produção e processamento de embriões, as maiores margens foram obtidas com a produção de embriões a fresco.
“O resultado da produção de embriões influenciou e foi determinante na obtenção de margens positivas para o plano alimentar de alta energia. Mesmo com maior custo operacional, esse plano alimentar obteve maiores receita, margem bruta e lucro operacional”, observa a pesquisadora Isabel Ferreira, responsável pela análise financeira. “Ainda são necessários estudos que considerem diferentes cenários de preços e identifiquem o ponto de equilíbrio ou ótimo de concentração energética e proteica da dieta, bem como o nível de consumo que confira o maior resultado na produção de embriões por novilhas pré-púberes sem prejudicar o crescimento, a fisiologia animal e, consequentemente, a reprodução”, pondera.
Hormônio natural turbina produção de embriões in vitro
Além de comprovar os ganhos reprodutivos e financeiros com dietas de alta densidade energética para novilhas pré-púberes, a pesquisa buscou associar métodos laboratoriais para incrementar ainda mais a capacidade de produção de embriões in vitro. Nesse sentido, foi testado o uso da melatonina, um hormônio natural com propriedades antioxidantes e antiapoptóticas (evitam a morte celular), na maturação de ovócitos e no cultivo de embriões produzidos por animais submetidos a esse tipo de dieta alimentar.
Num dos experimentos de outro estudo da Embrapa Cerrados, 11 bezerras sem seleção genética prévia de uma fazenda em Goiás foram suplementadas dos sete aos 13 meses de idade com uma dieta de alta densidade energética. Aos 10 meses de idade, oito delas foram submetidas à aspiração folicular mensalmente, por quatro meses.
Para avaliar o benefício do uso da melatonina na competência ovocitária e na produção de embriões, os ovócitos recuperados foram divididos em três grupos: apenas ovócitos de novilhas pré-puberes maturados in vitro com melatonina; ovócitos de novilhas pré-púberes maturados com melatonina e embriões cultivados com melatonina; e ovócitos de vacas adultas com histórico conhecido de produção de embriões in vitro, cultivados sem melatonina (controle). Foram comparadas as taxas de clivagem (percentual de ovócitos com divisões celulares após a fecundação) e de blastocistos em D7.
Os ovócitos e embriões provenientes de novilhas pré-púberes, quando cultivados com melatonina, apresentaram maior taxa de blastocistos (38%) em relação ao grupo com apenas ovócitos maturados com melatonina (25%), produzindo 13% mais embriões, além de valores próximos aos dos ovócitos de vacas adultas sem a melatonina (taxa de blastocistos de 41%).
Segundo Carlos Frederico Martins, esse é o primeiro relato do efeito positivo da melatonina na fecundação in vitro de ovócitos de novilhas pré-púberes em sistema de alta tensão de oxigênio, melhorando a quantidade e a qualidade embrionária. Ele acrescenta que os animais suplementados com a dieta de alta densidade energética alcançaram peso médio de 290,82 kg aos 13 meses de idade, o que permitiu a indução da puberdade, a inseminação artificial e o alcance de taxa de prenhez de 54,4%, valor superior aos obtidos em estudos com animais de idades similares e não suplementados com dietas de alta energia.
“O uso da melatonina melhorou a competência ovocitária e aumentou as taxas de embriões em novilhas pré-púberes de forma similar à produção de embriões por vacas adultas. Isso indica uma associação benéfica entre uma abordagem de manejo nutricional e uma abordagem laboratorial com o uso da melatonina em ovócitos e embriões in vitro nessa categoria de animais”, conclui o pesquisador. (EmbrapaCerrados)