A possibilidade da derrocada do Pedral do Lourenço soma-se à lista de grandes obras em litígio na Amazônia. A reportagem ouviu denúncias e questionamentos de pesquisadores, lideranças de comunidades tradicionais e militantes socioambientais para traçar um panorama do jogo político, as disputas jurídicas e de narrativa em torno de um megaempreendimento como esse, que faz parte do escopo do projeto da hidrovia Araguaia-Tocantins. O objetivo é torná-la navegável o ano inteiro, para atender, principalmente, o agronegócio e as mineradoras do Centro-Oeste e da região de Marabá, que terão custos da exportação minimizados no transporte de aproximadamente 60 milhões de toneladas/ano. Afinal, quem se opõe à obra estaria contra o desenvolvimento?
Talvez essa nem seja a primeira pergunta a se fazer, nesse caso. Em primeiro lugar, precisamos entender que tipo de desenvolvimento estamos falando. A geração de emprego e renda e o escoamento da produção de grandes mineradoras, e de potências do agronegócio, atenderão aos interesses das comunidades que serão impactadas pela hidrovia? Quem são essas pessoas, quais suas formas de vida e como compreendem a economia local? A suposta compensação ambiental prevista reparará os prejuízos à biodiversidade e às comunidades? Essas são respostas que o Governo Federal não sabe, porque sequer consultou previamente as comunidades que serão impactadas pela hidrovia.
Essa omissão foi determinante para embasar, em junho, a decisão do juiz federal da 9ª Vara, André Luís Cavalcanti Silva, que suspendeu a Licença de Instalação nº 1518/2025, emitida pelo Ibama, que autoriza a derrocagem do Pedral do Lourenço. O magistrado considerou que a falta de consulta e de estudos socioeconômicos completos impede a avaliação adequada dos impactos da obra, sobretudo sobre a pesca artesanal, principal meio de subsistência das famílias na região.
Mas como a Licença de Instalação de uma obra estimada em R$ 1,014 bilhão foi emitida com essa falha? Como esse equívoco passou despercebido pelos profissionais do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transporte (DNIT), ente governamental responsável pelo empreendimento, e da DTA Engenharia, empresa responsável pelo Estudo de Impacto Ambiental e Relatório de Impacto Ambiental (EIA/RIMA) e execução da obra? Vale destacar que a consulta a comunidades indígenas, quilombolas e ribeirinhas potencialmente afetadas por empreendimentos é uma obrigação exigida pela Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho, aprovada em 1989, a qual o Brasil é signatário. A normativa determina direitos fundamentais de comunidades tradicionais, como o de consulta prévia, livre, informada e de boa fé. Algo que, segundo a decisão judicial, não ocorreu no projeto de derrocagem do Pedral do Lourenço.
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O licenciamento ambiental pode ter outros erros graves
O DNIT tentou argumentar, sem sucesso, na ação judicial de tutela antecipada antecedente nº12135, movida pelo Ministério Público Federal, que foram feitas audiências públicas, e que estas teriam cumprido papel análogo ao das consultas prévias, de deixar as comunidades cientes dos riscos e das oportunidades do empreendimento. Além disso, segundo o procurador da república, Rafael Martins da Silva, “o EIA/RIMA vigente não apresenta pelo menos 95 espécies de peixes que já temos registradas em estudos e, por outro lado, elenca outras que sequer existem na região”, denuncia. Dessas, pelo menos 25 podem ser extintas após as explosões, sem contar as três que sequer foram catalogadas.
O pesquisador do Museu Emílio Goeldi, Alberto Akama, compôs em 2019 a única equipe a realizar pesquisas envolvendo mergulho no Pedral do Lourenço. Na ocasião, foram feitos mergulhos de até 40 metros de profundidade para coleta de espécies. Contudo, o pedral tem 80 metros de profundidade e uma extensão de 43 km, possuindo uma alta complexidade estrutural. “Há muitos peixes que só moram no Pedral. Se ele for explodido, elas vão sumir, sem que ao menos tenhamos tido conhecimento delas. Não há compensação ambiental que dê conta disso”, afirmou Alberto. Para ele, a justiça socioambiental não pode seguir a lógica civil e penal, que é pautada pelo princípio da presunção da inocência. “No direito socioambiental, a lógica deve ser: se há risco, não faça. E um licenciamento falho apresenta altíssimo risco”, conclui.
O Ministério Público Federal, assim como pesquisadores da UFPA e da Unifesspa, contestam ainda a falta de um estudo sobre os hábitos de pesca das comunidades, prejudicando de forma crassa a avaliação dos reais possíveis impactos que essas famílias sofrerão. Além disso, o DNIT defende que a área de influência do pedral é de 212 km, mas a comunidade científica sustenta que sejam pelo menos 500 km. E aqui estamos nos referindo especificamente às cerca de 50 comunidades que seriam impactadas pela derrocagem do pedral. “Não podemos esquecer que estamos falando de uma hidrovia, que vai envolver o maior rio exclusivamente brasileiro, que vai demandar dragagens em diversos pontos. E não sabemos como isso vai afetar a pesca artesanal local”, problematiza Nagano.
A bacia Araguaia-Tocantins possui uma taxa de endemismo de peixes de mais de 30%. Ou seja, a cada 10 espécies, três são exclusivas desse território. Segundo a pesquisadora ictióloga Carine Chamon, da Universidade Federal do Tocantins, já foram catalogadas 229 espécies que só moram nesse rio. O DNIT afirma que serão necessárias dragagens únicas em cada setor. Ainda que isso seja verdade, o EIA/RIMA vigente não aponta qual o real impacto disso, por exemplo, no aviú e no Mapará, proteínas muito importantes para a região do Baixo Tocantins. “Essa região já sofre com o encarecimento do açaí, depois que esse produto virou commodity, imagina o que vai ser das pessoas mais simples ficar ainda sem umas das principais fontes de proteína”, pondera Alberto Akama.
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Governos e organizações produzem desinformação e fazem coação velada em favor da hidrovia
No dia 16 de agosto, o governador Helder Barbalho divulgou um vídeo em suas redes sociais, acusando o ICMBio de chamar audiência pública para a criação de uma Área de Proteção Ambiental (APA) no rio Tocantins. “Nós somos absolutamente contrários a este movimento. Como todos sabem, o Pará tem sido responsável pela maior redução do desmatamento em toda a Amazônia. E eu não posso admitir que depois de cinco anos na busca do licenciamento para o derrocamento do Pedral do Lourenço, depois do Ibama exaustivamente ter trabalhado e emitido a licença para que o rio Tocantins possa ser navegável, agora venha essa novidade de tentar criar uma área de proteção que me parece muito mais um instrumento para inviabilizar a hidrovia”.
Mesmo que o ICMBio estivesse fazendo uma movimentação política para impedir a explosão do Pedral do Lourenço, isso não teria efeito nenhum, porque o Pedral já faz parte da APA Lago do Tucuruí, que é estadual, sob a jurisdição do Instituto de Desenvolvimento Florestal e da Biodiversidade do Estado do Pará (Ideflor). A área de proteção que o ICMBio pretende criar é a APA do Paleocanal, que abrange 56 lagos em Marabá, Itupiranga e Nova Ipixuna, somando 31,7 mil hectares, e possui grande relevância geológica, biológica e arqueológica, por abrigar ecossistemas de grande valor e comunidades que vivem da pesca e da agricultura familiar.
Segundo nota do próprio ICMBio, “a APA do Paleocanal do Rio Tocantins não inviabiliza a implementação da Hidrovia Araguaia-Tocantins. Pelo contrário, a APA representa uma oportunidade de demonstrar que é possível conciliar desenvolvimento econômico e conservação da biodiversidade”, afirma o texto, que ressalta, ainda, que essa é uma demanda formalizada em 2023, pela Fundação Casa da Cultura de Marabá (FCCM) e Unifesspa.
Não à toa representantes de prefeituras, deputados e lideranças populares estão intensificando os assédios às comunidades. Em geral, o discurso é de que “quem não for a favor do Pedral não vai ganhar compensação. Já fui procurado por vereadores, pelo prefeito da minha cidade e até pela direção da colônia de pescadores”, denunciou Roberto Araújo, nome fictício de uma liderança de comunidade ribeirinha que será impactada pela derrocagem e, que prefere não se identificar. Segundo Roberto, muitas famílias locais ainda têm traumas da instalação da Usina Hidrelétrica de Tucuruí, concluída em 1984. “Há pessoas que até hoje nunca receberam nada, e tiveram a vida muito prejudicada pela construção do lago. Então fica a sensação de que não podemos impedir uma obra que o governo quer tanto que aconteça”, desabafa.
Ele afirma que não consegue imaginar qual compensação seria suficiente para mitigar a poluição do rio, o sumiço dos peixes e do sustento das comunidades. Roberto afirma que é contrário à obra, mas percebe que nem todos que são contra se sentem livres para falar abertamente. “Quando a gente vê lideranças que deveriam estar lutando ao lado do povo, lutando por nossos direitos, fazer o discurso de que temos que negociar pra não ficar com nada, é difícil ir contra”, ressalta. O líder comunitário explica que esses dirigentes populares e políticos usam como ferramenta de persuasão a aflição, a angústia de famílias que até hoje tentam superar as mazelas da barragem de Tucuruí.
“Aí tem as colônias, as colônias de pesca também são umas das que pressionam mesmo. Eles eram para defender nossos direitos, mas elas estão apoiando a obra. Na verdade, estão visando os benefícios que serão administrados pelas colônias. Só que o povo ribeirinho, ele é pescador. Lá na colônia tem pescador. Como eles vão ter benefícios se a água ficar envenenada e os peixes sumirem?”, pergunta Roberto. Segundo ele, esse tipo de intimidação e de desinformação pode ser dito de forma mais explícita, principalmente quando um deputado, vereador ou agente de prefeitura participa de algum evento de massa. Mas também pode ocorrer em interlocuções mais reservadas, já que as relações nesses territórios costumam ser de proximidade.
“Para nós, povos tradicionais, foi até uma surpresa a assinatura dessa Licença de Instalação nesse governo [do Lula], porque a Licença Prévia foi assinada no governo Bolsonaro, e a gente protestou e lutou pra ter um governo de diálogo. A gente sabe que esse [governo do PT] é de mais diálogo, mas, pelo menos com a gente, até agora esse diálogo não aconteceu”, refletiu Ronaldo Macena, presidente da Associação das Comunidades Ribeirinhas do Pedral do Lourenço (Acrevita) e morador da Vila Tauiry, no município de Itupiranga. Perguntado por videochamada se ele e a comunidade são contra a hidrovia, como liderança prudente que é, Ronaldo fez uma breve pausa e respondeu que a comunidade quer, de início, ter o direito garantido da licença prévia. Depois disso vai se manifestar.
O Ministério Público Federal reiterou à reportagem que as comunidades têm direito, sim, de manifestar contrariedade à obra, e que qualquer coação pode e deve ser denunciada, para que as medidas cabíveis sejam adotadas. Além disso, o MPF também publicou nota informando que nenhum tipo de compensação poderá ser negociada antes que todas as comunidades que vão ser atingidas gozem do pleno direito à consulta prévia.
O populismo do Lulismo e do Barbalhismo em favor de megaempreendimentos polêmicos
É verdade que a recém-retomada da ofensiva por um novo licenciamento, que visa destravar essa obra, foi licitada e contratada no ano do impeachment contra a presidente Dilma Roussef (PT). Mas o certame foi lançado e vencido pela DTA-Engenharia ainda na gestão da mandatária deposta, e era vista como peça-chave do tal neo-desenvolvimentismo brasileiro, pelo menos desde o Programa de Aceleração de Crescimento (PAC) de 2010, que tinha a própria à frente, quando ela era titular da pasta da Casa Civil. Após o impeachment, o atual governador do Pará ganhou do presidente tampão, Michel Temer, o comando do Ministério das Cidades. Nesse período, ele não apenas conseguiu obras na maioria dos 144 municípios paraenses, o que o ajudou, e muito, a se eleger em 2018, já como aliado petista. O lobby do então ministro foi fundamental para acelerar o que foi possível.
Ocorre que, no Norte, na Amazônia brasileira, o único Estado onde o bolsonarismo não venceu as eleições presidenciais de 2018 e 2022 é o Pará. “E não foi apenas pela força do lulismo. Aqui quem venceu foi principalmente o barbalhismo. Então não é difícil mensurar a importância política e eleitoral dos Barbalho para o PT aqui”, argumenta o professor de geografia Hugo Souza. Estamos usando aqui novamente um nome fictício, a pedido dele, que alegou não querer sofrer possíveis retaliações dentro do partido onde ele milita. O próprio considera que nenhuma gestão, nenhum projeto de governo que já comandou o Brasil teve um olhar para a região que coloque os amazônidas como sujeitos. Ele diz que, em geral, ou se posa para fotos ao lado dos povos tradicionais para reivindicar a imagem de responsabilidade ambiental, ou se acusa as pautas dessas populações com a narrativa de que são entrave para o “desenvolvimento sustentável”.
Hugo reconhece, contudo, que nenhum outro Governo Federal já teve um diálogo tão amplo, e assegura mais direitos às populações indígenas, ribeirinhas, periféricas e quilombolas como os lulopetistas. Mas a contradição consiste em conseguir, com menos barulho do que seria em gestões mais à direita, aprovar ou implementar retrocessos gigantescos, a exemplo do novo código florestal e da Usina Hidrelétrica Belo Monte. Sobretudo esta última, segundo o próprio, dificilmente sairia do papel num governo de direita, pois nem os governos militares haviam conseguido. “Como os movimentos sociais, sindicais e várias comunidades tradicionais têm uma relação política mais próxima com o PT do que com qualquer outro partido, a gestão lulista consegue, como nenhum outro atualmente, frear a revolta popular. Aliás, aqui no Pará, tem um que consegue mais do que o PT: o Helder, que é fundamental para a reeleição do Lula”, disse.
O professor reflete que a polarização, antes com o PSDB, e agora com o Bolsonarismo, são usadas como pontos fundamentais para a construção da narrativa: Se o PT cair, eles ganham”, conclui. Embora ele defenda a reeleição do presidente Lula, e entenda que o jogo político enfrenta adversários com estratégias piores, com muito mais poder de influência de outros setores, como a grande mídia e as igrejas evangélicas, para ele, o PT nunca vai conseguir pautar mudanças estruturais na nossa sociedade se não se aliar a esses povos. “Esses empresários que ele favorece com esses megaempreendimentos não são aliados de verdade. Eles vão pro lado que os favoreça”, reclama.
O militante do PT também ressalta que, em governos de coalizão, como é o caso do lulopetismo, para garantir governabilidade, é necessário agradar diferentes matizes ideológicas. “Mas até que ponto a culpa é realmente do congresso conservador que temos ou da falta de uma estratégia mais eficiente de mobilização popular? Até que ponto o governo Lula discorda, mesmo, do Centrão e da política econômica vigente?”, provoca. Ele concorda que, como parte dessa disputa de narrativa, é, por exemplo, tático resguardar o governo para minimizar o papel do lulismo nessas obras polêmicas. “Você vê que a militância de esquerda não diz que foi o ministro da saúde que não comprou vacina na Pandemia quando podia. Ela diz que foi crime do Bolsonaro. Já quando é gestão do PT, o inimigo é o DNIT, o Ibama, nunca é Lula”.
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“É importante também fazer uma ressalva. Os donos da grande mídia produzem muita desinformação. Quando a Reforma da Previdência, por exemplo, está em pauta, a mentira de que a previdência é deficitária é reproduzida amplamente, contribuindo para a narrativa que o governo defende, inclusive se for do PT. O mesmo ocorre na pauta do desenvolvimento sustentável, o que é sustentável em Belo Monte?”, argumenta Hugo. Ainda citando a hidrelétrica instalada no Xingu, a reportagem ouviu uma liderança que hoje atua no Movimento pela Soberania Popular na Mineração (MAM), e também pediu para não ter a identidade divulgada. Ele acompanhou de perto a luta contra esse megaempreendimento, e testemunhou como movimentos sociais como o que ele participa hoje ajudaram a disseminar desinformações.
“Enquanto a gente tentava fazer um movimento internacional de resistência, lideranças sindicais, movimentos sociais da base do PT iam por trás e negociavam mitigação. Quando o governo Lula quer, quando Helder quer, eles usam sua influência em lideranças, usam o poder que as instituições que eles chefiam para usar lideranças pelegas em favor de uma espécie de aparelhamento velado de grupos que deveriam lutar pelos direitos dos trabalhadores, dos povos tradicionais”, comenta. Segundo ele, até mesmo os protestos eram “amortecidos”. “Quando a gente queria ter unidade na luta, a gente tinha que bater em Belo Monte, e não em Lula e Dilma”, recorda.
“Nós vimos a Norte Energia colocar pessoas nas reuniões das comunidades com canetas espiãs. Vimos a tropa de choque de lideranças que ocupavam cargos no médio e alto escalão do governo, e também eram de movimentos que supostamente eram contra Belo Monte, irem na surdina garantir mais dinheiro a comunidades indígenas e grupos de ribeirinhos”, revela Lucas, que não se surpreendeu quando soube que Helder usou o Programa de Direitos Humanos para espionar lideranças indígenas. Também não é surpreendente para ele que que a Aldeia São Francisco tenha desistido de ter suas terras demarcadas, para favorecer a mineradora canadense Belo Sun, que pretende se instalar na Volta Grande do Xingu, já gravemente impactada por Belo Monte. Tal desistência visa reforçar a narrativa de que o licenciamento ambiental da pretensa maior mineradora a céu aberto do mundo, seria prerrogativa da Secretaria Estadual de Meio Ambiente do Pará, e não do Ibama.
Lucas pensa que os governos de coalizão, ditos progressistas, têm a força do populismo em suas mãos e usam quando é necessário. “Getúlio Vargas deixou muitos adeptos ao longo da história, e embora a gente tenha que reconhecer que, como ele, Lula e Helder não são necessariamente vilões, nem piores que Bolsonaro, por exemplo. Mas nós, povos amazônidas, precisamos reivindicar nosso protagonismo, que nossas vozes, nossos modos de vida sejam respeitados. Caso essa hidrovia seja imposta sem que essas vozes sejam ouvidas, nós podemos ter, no futuro, cidades como Cametá, Marabá, Parauapebas uma demanda por empregos nas periferias cada vez maior. Porque quando esse povo ficar sem a pesca, eles vão viver de que? A tendência é que eles migrem pra cidade”, concluiu.
A transamazônica, Belo Monte, Tucuruí deveriam servir de exemplo, segundo Lucas. “E na verdade servem. Os governos seguem adotando estratégias semelhantes de construção de narrativa, disseminação de desinformação e silenciamento das comunidades, para atender às demandas de grandes grupos econômicos”, finaliza.
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Fragmentar para avançar
Uma das estratégias nessa disputa de narrativa, visando o convencimento da opinião pública pela desinformação, é fragmentar uma obra tão complexa como essa. O foco dos últimos meses tem sido o Pedral do Lourenço, como antes já fora as eclusas de Tucuruí, a maior obra de engenharia executada na Amazônia. Iniciada em 1981 e depois paralisada em 1989, ela foi retomada em 2006 e concluída em 2010. Foi feita para servir à hidrovia Araguaia-Tocantins. No entanto, há 15 anos ela está praticamente em desuso, e custa cerca de R$ 9 milhões ao ano aos cofres públicos, segundo reportagem da Folha. A não ser para reforçar a narrativa de que a hidrovia é inevitável, para que serve esse enorme gasto, que é o dobro do que o governo investiu em seguro-defeso em abril de 2025?
Do jeito que há possíveis falhas no atual EIA/RIMA, no que tange ao restante da obra, a depender da força política que Helder e Lula terão para que a derrocagem do Pedral saia, há um grande risco de que o santuário das comunidades e dos peixes seja destruído e a hidrovia fique inoperante por anos, porque cada área de dragagem vai impactar comunidades que também não foram consultadas previamente. Sequer há um porto em Barcarena adequado para a hidrovia. Aparentemente, uma obra com essa complexidade, que pode alcançar até 2.700 km, que tem no rio Tocantins os principais desafios de navegabilidade, interessa ao governo a fragmentação, enquanto a flexibilização das leis de licenciamento e proteção ambiental, e as disputas de narrativa e pelo convencimento de lideranças vai seguindo o fluxo da história.
Posicionamento do governo
A agência Carta Amazônia entrou em contato com a Secretaria Estadual de Meio Ambiente, Clima e Sustentabilidade (Semas), Ibama e Governo Federal para solicitar posicionamento sobre as denúncias apresentadas na reportagem. Em nota, a Semas informou que a obra de remoção do Pedral do Lourenço é de responsabilidade do Governo federal e ressaltou que ” o Governo do Pará defende que todas as garantias socioambientais devem ser asseguradas antes do início das obras e que o derrocamento é essencial para impulsionar a economia da região e modernizar a infraestrutura logística do país”.
Até o fechamento desta edição, as assessorias de comunicação do Ibama e do Governo Federal não retornaram os nossos contatos.
“Em vez de destruir o rio Tocantins com dragagens e explosões, envenenando as águas, o país, o estado e a Amazônia não ganhariam mais investindo em infraestrutura para a pesca artesanal, potencializando o ecoturismo no Pedral, nesses sítios arqueológicos que existem no Tocantins, além de vivências nessas comunidades tradicionais, dando exemplo para o mundo de como a economia pode e deve incluir as multivozes desses povos?”, provoca o geógrafo Hugo Souza. Para ele, nenhum modelo econômico que gere riquezas subjugando vidas humanas e não humanas pode ser justo.