O Coletivo Enegrecer realizou, nos dias 3, 4 e 5 de outubro, seu 3º Encontro Estadual na Universidade Federal do Tocantins (UFT), em Palmas. O evento, que contou com a circulação de mais de 150 pessoas, reuniu jovens negros vindos de diversas partes do estado, como Porto Nacional, Miracema, Arraias, Tocantinópolis e Tocantínia, para um fim de semana intenso de formação política e debates sobre a luta antirracista.
Com o objetivo de aprofundar a discussão sobre os desafios e as potências da população negra tocantinense, o encontro contou com a presença de importantes intelectuais, militantes de movimentos sociais e representantes de instituições públicas. Ao final, os participantes produziram coletivamente uma Carta Política com propostas e reivindicações endereçadas aos jovens, aos movimentos sociais e ao poder público do Tocantins.
O Enegrecer é um movimento social de jovens negros que atua no Tocantins há mais de 16 anos. Formado por lideranças advindas do movimento estudantil, da cultura hip-hop, de comunidades quilombolas e de outras realidades, o coletivo promove ações contínuas visando à igualdade racial e ao combate ao racismo.
Para os organizadores, o evento superou as expectativas. "Este encontro foi um verdadeiro aquilombamento da nossa juventude", celebra Karine Correa, do Enegrecer. O sentimento é compartilhado por Diego Panhussatti, também militante do coletivo, que ressalta o caráter prático das discussões. "Discutimos nossas dores, celebramos nossas potências e, o mais importante, transformamos nosso debate em ação. A Carta Política é um chamado para que a sociedade e o poder público se comprometam com uma agenda antirracista real e efetiva no Tocantins", pontua.
A programação contou com nomes de destaque na luta racial do estado, incluindo a Secretária de Estado da Igualdade Racial (SEIR), Larissa Rosenda; a reitora da UFT, doutora Maria Santana; o secretário Municipal de Igualdade Racial e Direitos Humanos, Eduardo Azevedo; e a vereadora Thamires Lima.
Também contribuíram com os debates figuras como Rose Marques (SINTET), Cristian Ribas e Naiara dos Santos (Coletivo Povo de Luta), Janaina Costa (CEPIR e Ajunta Preta), Bianca Pereira (Diretoria de Políticas de Igualdade Racial da SEIR), MC Carlão (Batalha das Mil), Erica Lopes (Vice-Presidente do Quilombo Barra da Aroeira), Rita Lopes (Presidente do Quilombo Rio Preto), Matheus Gabriel Rodrigues (MNU), além de professores, ativistas e lideranças como Ana Cleia Kika, Jean Rec, Wanda Cito, Hemilly Oliveira, Aline Silva, Kiaco, e os militantes do Enegrecer Diego Panhussatti, Karine Correa, Eduarda Maria Andrade, Sara Soares e Marayne, entre outros.
Confira a seguir a carta:
Carta Política do 3º Encontro Estadual do Enegrecer Tocantins
Nossos Passos Vêm de Longe: Por um Futuro Preto, Quilombola e Antirracista!
À Juventude Negra Tocantinense, aos Movimentos Sociais, ao Poder Público e a todas as Instituições e Pessoas que ousam construir uma Luta Antirracista Radical,
Nós, juventude negra de Palmas, Porto Nacional, Miracema, Arraias, Tocantinópolis, Tocantínia e de tantos outros territórios, aquilombados nos dias 03, 04 e 05 de outubro de 2025, na Universidade Federal do Tocantins (UFT), para o 3° Encontro Estadual do Enegrecer, erguemos nossas vozes. Não para pedir, mas para afirmar: a organização coletiva é a única tecnologia de enfrentamento à estrutura colonial, capitalista, cis-heteropatriarcal e racista que nos adoece e nos mata. O conhecimento de nossa verdadeira história é a arma contra o epistemicídio; a organização é a estratégia contra o genócidio.
1. Diagnóstico: A Necropolítica Estatal e suas Faces no Tocantins
O Estado brasileiro segue executando, há cinco séculos, um projeto genocida. A estatística de que um jovem negro é assassinado a cada 23 minutos não é um número, é um projeto político de extermínio. No Tocantins, essa realidade tem endereço: as periferias de nossas cidades, onde a chamada "guerra às drogas" serve de pretexto para o encarceramento em massa e a execução sumária de nossa juventude. O sistema carcerário tocantinense, superlotado e desumano, é a face moderna do navio negreiro. Denunciamos a política de segurança pública que militariza nossos bairros e criminaliza nossa existência, tratando nossos corpos como alvos.
2. Território é vida: a Luta Quilombola Contra o Racismo Ambiental e o Agronegócio
Nossos quilombos — como Barra da Aroeira, Rio Preto e Kalunga do Mimoso — são a prova viva de nossa capacidade de insurgência. São espaços contra-coloniais que se opõem ao apagamento de nosso legado ancestral. Contudo, denunciamos que a luta pela titulação dos mais de 53 territórios quilombolas no Tocantins é uma batalha direta contra o avanço do agronegócio, da monocultura de soja e eucalipto, e dos grandes projetos que configuram o racismo ambiental: expulsam nossas famílias, contaminam nossos rios, destroem nossa soberania alimentar e violam nossos direitos constitucionais. A morosidade do Estado não é incompetência, é conivência.
3. Educação e Cultura: Nossas Armas Contra o Epistemicídio
A ausência da efetiva implementação da Lei 10.639/03, que obriga o ensino de História e Cultura Afro-Brasileira, nas escolas do Tocantins é um projeto de violência. O epistemicídio que apaga nossas referências e intelectuais dos currículos é a base do racismo que se manifesta em sala de aula, onde nossos traços, cabelos e nossa fé são ridicularizados. Em contrapartida, afirmamos a potência de nossas tecnologias de luta: a cultura Hip Hop e as Batalhas de Rima como veículos de denúncia; os Terreiros de Matrizes Africanas e as Rodas de Capoeira como espaços de aquilombamento, cura e formação política. Exigimos o fim da perseguição e da intolerância religiosa, que são crimes.
4. Ocupar , Tensionar e Transformar os Espaços de Poder
A presença de corpos negros em espaços de poder é fruto de nossa luta. Celebramos a eleição da Professora Doutora Maria Santana para a reitoria da UFT, uma conquista histórica que rompe com a hegemonia branca e masculina. Contudo, sabemos que a representatividade sem poder de transformação é armadilha. O Pacto Narcísico da Branquitude se reorganiza para manter seus privilégios, e o racismo institucional se manifesta na violência política contra nossas lideranças, no arquivamento de pautas essenciais e na misoginia direcionada às mulheres negras. É inaceitável que o Estado do Tocantins mantenha em sua estrutura figuras como o secretário Marcos Duarte, conhecido por declarações públicas de cunho racista, o que demonstra o profundo descaso e a contradição do poder público.
5. Nossos Corpos Exigem Cuidados, Dignidade e Futuro
A interseccionalidade não é apenas um conceito, é a realidade de nossos corpos. Denunciamos o abandono da população negra LGBTQIA+, alvo preferencial da violência e da expulsão familiar. Denunciamos o feminicídio, que no Brasil tem a mulher negra como sua principal vítima. Denunciamos a crise de saúde mental que assola nossa juventude, resultado direto do estresse tóxico do racismo cotidiano, e a ausência de políticas públicas, como a efetivação da Política Nacional de Saúde Integral da População Negra no âmbito estadual e municipal.
Diante do Exposto, Exigimos:
- Aceleração imediata da titulação de todos os territórios quilombolas do Tocantins, com a criação de um grupo de trabalho específico para fiscalizar e combater os conflitos agrários e o racismo ambiental.
- Implementação efetiva e fiscalização da Lei 10.639/03 em toda a rede de ensino do Tocantins, com formação continuada para educadores e a inclusão de intelectuais negros e quilombolas na produção de material didático.
- Uma nova Política de Segurança Pública, baseada na inteligência e na prevenção, com o fim da abordagem violenta nas periferias, a instalação de câmeras corporais em todos os agentes e a criação de um comitê externo e autônomo para investigar a violência policial.
- A implementação urgente da Política Nacional de Saúde Integral da População Negra no Tocantins, com foco na saúde mental, na redução da mortalidade materna e no atendimento qualificado e antirracista em toda a rede de saúde.
- O afastamento imediato de gestores públicos com histórico de declarações e práticas racistas e o compromisso do governo estadual e dos municípios com a paridade racial nos cargos de alto escalão.
Convocamos todas as frentes de luta — movimentos sociais, sindicatos, coletivos, estudantes, artistas, trabalhadores do campo e da cidade — a se unirem. A luta é mais leve quando coletiva. Nós combinamos de não morrer, e nossa combinação é a organização.
A organização é o nosso legado, a nossa cura e o nosso futuro!
Vozes do 3º Encontro Estadual do Enegrecer Tocantins
Palmas, Quilombo Urbano do Tocantins, 05 de outubro de 2025.