Um dos maiores obstáculos para a compreensão do papel das mulheres na sociedade é a falta de produção acadêmica que descreva sua importância na história da humanidade. Com poucas pesquisas, tornou-se fácil a naturalização do discurso de que elas sempre exerceram um papel secundário na sociedade. Para a Socióloga Heleieth Saffioti, a sociedade investe muito nesse processo, ao tentar fazer crer que a atribuição do espaço doméstico à mulher decorre de sua capacidade de ser mãe. De acordo com esse pensamento, é natural que ela se dedique aos afazeres domésticos.
Aos poucos esse processo de naturalização vem se desconstruindo, em parte graças aos estudos antropológicos que apontam para existência do sistema matriarcal, além de denunciar que a humanidade, em seu processo de evolução, ancorada nos conceitos religiosos, culturais e econômicos, submeteu a mulher a um “código de conduta” perverso, transformando-a em um ser inferior. A antropóloga EvelynReed afirma que “a maioria das mulheres não compreende que seu problema não existia antes da instauração da sociedade de classe, que as desclassificou da elevada posição de igualdade que desfrutavam na sociedade primitiva”.
Nessa sociedade de classe, a propriedade da terra e o acúmulo de riquezas são determinantes para acabar com o sistema matriarcalista e, com o tempo, ocorre a aquilo que Engels descreve como uma das mudanças mais profundas que a humanidade já passou, quando foram abolidos a filiação feminina e o direito hereditário materno, substituídos pela filiação masculina e o direito hereditário paterno. Dessa forma, sai de cena a sociedade matriarcal e entra a sociedade patriarcal.
Na sociedade feudal, as mulheres se encontram em condições ainda mais precárias. Contudo, por pertencerem às classes diferentes, elas também sofriam de forma diferenciada a discriminação. O quadro não se alterou com o sistema capitalista e nem com o surgimento da burguesia. Essa nova classe, ao invés de libertar as mulheres de sua condição de submissão, fortaleceu os valores patriarcais e impôs regras ainda mais severas que persistem até os dias de hoje.
No entanto, a história nos mostra que sempre existiram aquelas que ousaram denunciar o papel inferior destinado às mulheres. Aos poucos, elas, por meio do movimento de mulheres, denunciaram a violência de gênero mas, sobretudo, ocuparam espaços de poder e influenciaram na construção de programas de governos, onde a igualdade de gênero é entendida como fundamental para promoção do desenvolvimento sustentável.
De fato, hoje as mulheres dos países ocidentais vivem uma realidade bem diferente do passado. Em muitos países houve avanços no ordenamento jurídico que propiciaram melhores condições de vida. Na América Latina, por exemplo, segundo pesquisa da Organização Internacional do Trabalho (OIT), entre 1990 a 2008 a participação das mulheres no mercado foi ampliada de 32% para 53%. Além disso elas estão se preparando profissionalmente para essa entrada, embora isso não garanta melhores condições de emprego. No Brasil, segundo a pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD 2009), as brasileiras estudam em média 7,4 anos ao longo da vida, enquanto os homens estudam 7 anos. Mas isso não garante uma igualdade de oportunidade no acesso ao mercado de trabalho. Outro dado interessante do Ministério do Trabalho refere-se ao rendimento salarial em 2010: enquanto o homem com ensino superior tem uma média nacional de remuneração de R$ 5.416,66, as mulheres na mesma condição recebem apenas R$ 3.207,28.
Estes dados demonstram que as mulheres estão ocupando espaços na esfera privada, entretanto, sua participação ainda é pouco valorizada, mal remunerada e em ocupações precárias. Além disso, as brasileiras, assim como em outros países, ainda são responsáveis pelos afazeres domésticos e o cuidado com os filhos. Segundo a PNAD (2009), apenas 18,4% das crianças de 0 a 3 anos freqüentam creches, número pequeno para atender a necessidade de muitas que precisam trabalhar e ter um espaço apropriado para deixar seus filhos. Não foi por acaso que a presidenta Dilma prometeu entregar 6 mil creches até o final do seu mandato.
Ao olharmos para a história temos a certeza de que avanços significativos ocorreram, mas isto não significa que alcançamos a tão sonhada igualdade de gênero. Assim como no passado, resistir e denunciar o sistema patriacalista continua sendo tarefa das mulheres desta geração. Afinal, nesta luta milenar, mundial e permanente, sempre haverá mulheres organizadas fazendo a disputa política, lutando para que o Estado e a sociedade reconheçam e devolvam às mulheres o patamar de igualdade que elas tinham no sistema matriarcal.
Gleidy Braga Jornalista e acadêmica do curso de Direito da Universidade Católica de Brasília