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Opinião

Foto: Divulgação

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Atribui-se a Rui Barbosa a seguinte frase: “a pior ditadura é a do Poder Judiciário [...] Contra ela não há a quem recorrer”. Tomo a liberdade de acrescentar a ela ainda o fato de que é quase impossível desvendá-la. Mediante a “neutralidade” das leis e do monopólio de sua interpretação, o Poder Judiciário pode operar de maneira seletiva e de acordo com a conveniência, o que lhe permite, se aparelhado politicamente, ser um instrumento que serve tanto para legitimar um golpe quanto para impedir uma revolução. Nas palavras de Daniel Sarmento, ao discorrer sobre a “dificuldade contramajoritária”, em seu livro Direito Constitucional: teoria, história e métodos de trabalho, “a jurisdição constitucional acaba por conferir aos juízes uma espécie de poder constituinte permanente, pois lhes permite moldar a Constituição de acordo com as suas preferências políticas e valorativas, em detrimento daquelas adotadas pelo legislador eleito”. Tal posicionamento fica claro na análise da conjuntura atual.

Em princípio, forçoso reconhecer que é provável que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva tenha se locupletado enquanto esteve no governo, como também é provável que todos os seus predecessores tenham feito o mesmo, decorrência do nosso sistema eleitoral, que estimula e nutre a corrupção desde sempre. Observe-se, por exemplo, o histórico de doações das empresas investigadas na Operação Lava Jato a partidos e candidatos em eleições pretéritas, disponível no site do Tribunal Superior Eleitoral. Para cada doação ali registrada, sem contar o caixa 2, deve haver, no mínimo, um triplex como o do Guarujá/SP ou um sítio como o de Atibaia/SP.  Tamanha é a dimensão da troca de favores que o Juiz Federal Sérgio Moro, na impossibilidade de comprovar a subsunção do fato à norma, no caso do triplex, se viu obrigado a inovar no direito, criando o conceito de fatos indeterminados.

Dito isso, verifica-se que a história de corrupção envolvendo o Partido dos Trabalhadores é, ao contrário do que se quer fazer crer, recente. A prática do financiamento privado e ilimitado de campanhas – onde se firmam os acordos – sempre foi denunciada e combatida no campo progressista. Sempre se afirmou, nesse tocante, que não existe investimento a fundo perdido. Até o atual movimento de direita teen afirma que “não existe almoço grátis”. Por recusarem esse financiamento, partidos como PCB (Partido Comunista Brasileiro), PSOL (Partido Socialismo e Liberdade), PSTU (Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado) e, até o ano 2002, o PT (Partido dos Trabalhadores), nunca tiveram uma representação expressiva no parlamento. Alguns deles negam a legitimidade do próprio processo eleitoral na forma desenvolvida.  O estranho, contudo, é, em primeiro lugar, que só recentemente a relação espúria entre financiamento eleitoral e corrupção, entre empreiteiras e o governo, se tornou objeto de preocupação nacional, e, em segundo, a ênfase dada à consequência e não à causa.

Considero haver juízes, delegados de polícia e procuradores da república de fato empenhados no combate à corrupção. Tanto é assim que em determinado momento fez-se menção à necessidade premente de coser um “grande acordo nacional, com o Supremo, com tudo” a fim de “estancar a sangria”. A maneira de conduzir os processos do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, todavia – de modo seletivo, com exacerbada exposição midiática e com a inauguração de conceitos, institutos e procedimentos penais e processuais penais – sugere que a epopeia contra a corrupção teve como consequência o aparelhamento político do Poder Judiciário. Esse aparelhamento, além do estancamento da sangria, parece ter outra finalidade, qual seja, a conformação do país a um modelo político-econômico-social diferente da conciliação de classes promovida pelo Partido dos Trabalhadores desde 2002. Para a instalação do modelo que se desenha, faz-se necessária a anulação da resistência, por meio da destruição dos símbolos aglutinadores dos trabalhadores e das minorias, como o Partido dos Trabalhadores e do seu maior líder.

 Importante ressaltar que tal ofensiva, inicialmente de caráter estritamente político, tem início ainda em 2013, nas chamadas jornadas de junho, passando pelo tensionamento do governo de Dilma Rousseff, em 2014, pelo seu impeachment, em 2016, e culminando na prisão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, agora em 2018. Com efeito, as manifestações de 2013, denominadas de jornadas de junho, ainda carecem de interpretação que abranja sua complexidade. Havia ali ao menos duas forças: uma mais progressista, se organizando em torno da pauta contrária ao aumento da passagem do transporte público e outra que se organizava em torno do velho e vazio discurso anticorrupção. Esse segundo grupo se autodeclarava antipartidário e rechaçava das manifestações a pluralidade de pautas, tais como as dos movimentos de luta pela democratização da terra, negro, feminista, LGBT, etc.  Alguns partidos e movimentos da ala progressista, otimistas pela quantidade crescente de pessoas nas manifestações, cederam aos apelos do grupo mais conservador e recomendaram a seus militantes o não uso de bandeiras e camisas identificadores nos atos. Poucos, porém, resistiram e tentaram disputar a consciência coletiva, o que fez aquele grupo mais conservador recuar, para voltar mais tarde com o mesmo discurso anticorrupção, mas com uma nova identidade: as camisas da CBF, que, dentre outras coisas, impedia a inserção da pluralidade no grupo e reunia em torno de si desde liberais a religiosos. Nas eleições de 2016, o grupo antipartidário, contraditoriamente, logrou eleger diversos vereadores pelo País.  

A Operação Lava Jato insere-se nesse contexto em 2014, inaugurando institutos e procedimentos incomuns ao Direito Penal, ao Direito Processual Penal e à Constituição Federal. Por exemplo: 1) o vazamento seletivo de áudios para a imprensa, incompatível com a Lei 9296/1996; 2) as conduções coercitivas; 3) as prisões preventivas ad aeternum; 4) os argumentos e conceitos estranhos ao Direito, como dos fatos indeterminados e da propriedade de fato (Ação Penal nº. 5046512-94.2016.4.04.7000/PR); 5) celeridade processual incomum à justiça brasileira, que aparenta atender mais a um calendário eleitoral do que processual (a Justiça Federal trabalha com relatórios de prazos).  Impende destacar que em mais de um momento as instituições envolvidas nas investigações se viram em situação desconfortável, em especial para o Poder Judiciário, como no tratamento distinto para casos idênticos, consubstanciado na proibição de nomeação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva para ministro, por meio de decisão proferida em 28 segundos pelo Juiz Federal Itagiba Catta Preta, da Justiça Federal de Brasília/DF, e na permissão da nomeação de Moreira Franco, inicialmente como Secretário Geral da Presidência e, desde 08.04.2018, Ministro de Minas e Energia.

Paralelamente à Operação Lava Jato, o Congresso tem empreendido uma série de iniciativas que extinguem direito dos trabalhadores e das minorias, sem o mínimo de resistência, tais como:1) a reforma trabalhista; 2) a reforma da previdência; 3) a reforma do Ensino Médio; 4) a Emenda Constitucional nº. 93; 5) a Emenda Constitucional nº 95; 6) a terceirização irrestrita; e 7) a tentativa de enfraquecimento dos sindicatos por meio da extinção do imposto sindical. Essa retirada de direitos só tem ocorrido de maneira ágil e praticamente sem resistência, porque a Operação Lava Jato tem servido como uma cortina de fumaça para a reorientação do Estado Social em vigor. O resultado disso se verá primeiro nas eleições de 2018, em que, é possível prever, os partidos que sempre dominaram a cena política, mesmo os investigados na Operação Lava Jato, elegerão na mesma proporção que sempre elegeram. Posteriormente, o resultado será sentido pelos trabalhadores e pelas minorias, que não terão a quem recorrer senão à luta.

*Wanderley Fernandes da Cruz é professor, estudante de direito e Coordenador Geral do SINDJUFE-TO (Sindicato dos Trabalhadores do Poder Judiciário Federal no Tocantins)