Conexão Tocantins - O Brasil que se encontra aqui é visto pelo mundo
Opinião

Foto: Divulgação

Foto: Divulgação

Estamos próximos a iniciar o tríduo pascal, neste período presenciamos, verdadeiramente, um dos primeiros julgamentos da história pautado no Direito Penal do autor. Jesus não é julgado por ser um criminoso ou por ser um herege, mas sim por ser Jesus, uma pessoa humilde, do povo, que teria vindo para libertar o mundo. Os judeus, por outro lado, tinham em mente um salvador guerreiro. E Jesus representava o oposto, uma vez que veio pregar o amor e a misericórdia entre as pessoas.

Direito Penal do autor, conforme o ensinamento do maior criminalista da América Latina, Raul Eugenio Zaffaroni, é: “este direto penal supõe que o delito seja sintoma de um estado do autor, sempre inferior ao das demais pessoas consideradas normais”.

Conta a história que no domingo que antecedeu ao julgamento de Jesus, os judeus o receberam com ramos e o aclamaram como Salvador. Todavia, por influência dos sumos sacerdotes e dos fariseus foram convencidos que era um herege, que desrespeitava a lei. Porém, só isso não bastava para a pena capital (pena de morte na cruz).

Diante dessa comoção inflamada pelos sumos sacerdotes, que temiam perder seus poderes diante da magnitude de Jesus, criam a tese de que Ele teria cometido blasfêmia ao se declarar o messias e filho de Deus Pai.

Do lado político, atrelado aos Romanos, à acusação contra Jesus era de rebelião. De insultar seus seguidores a enfrentar as normas do Império Romano.

Todavia, Jesus em momento algum cometeu o crime que lhe imputavam de blasfêmia presente no “Misnah 7.5”. Mesmo quando o Sacerdote que dirigia o julgamento, Caifás, perguntou à Jesus se ele era filho de Deus, para tentar caracterizar a blasfêmia, Jesus responde que quem estava dizendo isso era o próprio Sacerdote.

Nesse momento, para o Sumo Sacerdote e os demais julgadores, Jesus teria confessado o crime de blasfêmia. Ou seja, como sói acontecer nos julgamentos pautados no Direito Penal de autor e não do fato, pouco importava a tese de defesa de Jesus, ele já estava previamente condenado.

Ademais, não se pode olvidar, que segundo as leis da Torá e do Império Romano ele poderia se recusar a responder sem que isso fosse considerado contra ele. Isto está claramente expresso em Mateus 26, 62-64: Disse-lhe Jesus: Tu o disseste; digo-vos, porém, que vereis em breve o Filho do homem assentado à direita do Poder, e vindo sobre as nuvens do céu"

Diante do silêncio, Caifás, em um ato de encenação e eloquência, asseverou (Mateus 26, 65-67): "Então o sumo sacerdote rasgou as suas vestes, dizendo: Blasfemou; para que precisamos ainda de testemunhas? Eis que bem ouvistes agora a sua blasfêmia. Que vos parece? E eles, respondendo, disseram: É réu de morte. Então cuspiram-lhe no rosto e lhe davam punhadas, e outros o esbofeteavam"

No entanto, a acusação contra Jesus Cristo não foi apenas a blasfêmia, mas também a acusação de profanar o sábado e ser um falso profeta. Jesus, segundo relatam os evangelistas (Mateus, Marcus, Lucas e João), nos sábados salvou vidas, trouxe a paz, o amor e a misericórdia, logo crime algum cometeu, mesmo diante da lei da tora.

Todavia, para condenar à morte, além de passar por um julgamento religioso, perante o Sinédrio, ele teria que passar por um julgamento político perante o Governador Romano Pôncio Pilatos, visto que Roma dominava a região de Jerusalém e impunha seu Direito.

Diversamente do que queriam os Sacerdotes e os fariseus, no Direito Romano não havia essas acusações religiosas (blasfêmia e profanar o sábado). Então criou-se um impasse: como fazer? Outra acusação deveria ser feita e qual foi?

Diante da dificuldade em achar uma acusação pautada no Direito Romano, após muita insistência dos Sacerdotes, foi imputada a acusação de incitar o povo a não pagar Impostos a César, declarar-se Rei e Sedição (provocar a desordem ou revolta).

Todavia, no dia do julgamento político, nem o próprio Pilatos estava convencido da culpabilidade de Jesus Cristo. Para Pilatos não houve crime algum e estar-se-ia a condenar injustamente um judeu.

Após imensa pressão, a audiência começou e o Governador Romano indagou a Caifás: “Que acusação trazeis contra este homem?” João 18:29. E sem nenhum fato concreto, Pilatos retrucou, conforme se extrai de João 18, 30: "Levai-o vós, e julgai-o segundo a vossa lei." (dos judeus e não a romana).

No entanto, os judeus, a todo custo, queriam a morte de Jesus e como pela Lei judaica isso não seria possível, eles necessitavam do Direito Romano, conforme se extrai João 18:31: “A nós não nos é lícito matar pessoa alguma.". Então Pilatos interpela Jesus questionando se era verdade o que diziam sobre ele.

Reconhecendo que Jesus não tinha cometido crime algum, Pilatos insiste com os jurados: “Não acho nele crime algum”.

Porém, a massa de judeus influenciada pelos seus líderes e sacerdotes queria a morte de Jesus e Pilatos tenta um último artifício para tentar impedi-la: propõe à multidão o "privilegium paschale" (equivalente a graça no direito penal brasileiro), que seria a anistia conferida pelo Governador Romano por ocasião da grande festa.

Então Pilatos, mais uma vez, tenta soltar Jesus, na medida em que não viu nenhum crime. Entretanto a pressão das pessoas o forçou a ter um comportamento contrário (João 19, 4-12).

Exaurido de argumentos para soltar Jesus, que sabia ser absolutamente inocente das acusações, Pilatos toma sua última atitude (Mateus 27, 24): “Então Pilatos, vendo que nada aproveitava, ante ao tumulto que crescia, tomando água, lavou as mãos diante da multidão, dizendo: Estou inocente do sangue deste justo. Considerai isso. E, respondendo todo o povo, disse: O seu sangue caia sobre nós e sobre nossos filhos”.

Pilatos lavou as mãos sobre a condenação de Jesus Cristo, e disse: “Ora, caros jurados, da análise do caso em foco percebem-se diversas ilegalidades”.

Todavia, há vícios insanáveis nas acusações. Para tanto, basta uma mera leitura em Deuteronômio 19 e veremos que uma só testemunha contra alguém não se levantará por qualquer iniquidade, ou por qualquer pecado, seja qual for o pecado que cometeu; pela boca de duas testemunhas, ou pela boca de três testemunhas, se estabelecerá o fato.

Com efeito, quais foram as duas testemunhas que confirmaram o fato? Não teve. A única testemunha foi Judas Iscariotis, que foi corrompida por conta de 30 moedas! 30 míseras moedas de prata! Valor que era pago por um escravo. Mas percebam: ele não chegou sequer testemunhar fato algum, apenas agiu para entregar seu, então, líder!

A verdade é que bem no período da Páscoa, os sacerdotes e os escribas procuravam um meio de eliminar o “Rei dos Judeus” sem causar alvoroço, visto que Jesus havia se tornado um inimigo “do Estado”.

Como manter um julgamento sem nenhuma prova de crime cometido, agravado pelo fato que a única pessoa que testemunhou, confessou que errou ao acusar um homem inocente?

Alguma semelhança com que acontece na Justiça Brasileira não é mera coincidência.

Destaque-se, ademais, que para satisfazer os critérios da lei, os próprios julgadores procuraram falsos testemunhos contra Jesus para configurar o fato e para que a lei fosse supostamente respeitada: “Ora, os príncipes dos sacerdotes, e os anciãos, e todo o conselho, buscavam falso testemunho contra Jesus, para poderem dar-lhe a morte;” (Mateus 26:59). “E os principais dos sacerdotes e todo o concílio buscavam algum testemunho contra Jesus, para o matar, e não o achavam.” (Marcos 14:55).

No entanto, depois de não achar uma testemunha sequer, infringindo diretamente a lei vigente, “o sumo sacerdote, rasgando as suas vestes, disse: Para que necessitamos de mais testemunhas? Vós ouvistes a blasfêmia; que vos parece? E todos o consideraram culpado de morte”. (Marcos 14:59-64).

Cabe aqui perguntar:  Qual a prova de que algum crime foi cometido? Em que momento Jesus pode se defender? Quem o defendeu? Onde estavam as testemunhas de defesa? Onde estavam as testemunhas de acusação? A lei foi jogada ao relento? Qual era a acusação que Jesus sofria? Blasfêmia? Mas isso foi comprovado? Ou o julgamento foi armado? Ele foi indiciado? Teve procedimento formal nos termos do direito romano? Jesus pôde apelar da Decisão?

Consoante, destaca o historiador Ribeiro: “Jesus Cristo foi preso sem culpa, acusado sem indícios, julgado sem testemunhas legais, apenado com um veredito errado, e, por fim, entregue à mercê da boa vontade de um Juiz, no caso o governador Pilatos”.

Assim, a única conclusão que se pode chegar que Jesus Cristo foi condenado sem ter cometido crime algum e sem que fosse respeitada a regra procedimental para julgamento de um judeu. Ou melhor foi condenado por ser o Messias, o Salvador. Ocorrendo assim uma condenação pautada do Direito Penal do autor. Trazendo para a realidade de hoje: pobre, negros, pardos tem seus direitos preservados quando acusados de algum crime ou são julgados a imagem e semelhança de Cristo?

*Marcelo Aith é advogado, latin legum magister (LL.M) em direito penal econômico pelo Instituto Brasileiro de Ensino e Pesquisa – IDP, especialista em Blanqueo de Capitales pela Universidade de Salamanca, professor convidado da Escola Paulista de Direito, mestrando em Direito Penal pela PUC-SP e presidente da Comissão Estadual de Direito Penal Econômico da Abracrim-SP.