A tragédia que se abateu no Litoral Norte de São Paulo caminha para completar um ano. Os desmatamentos desordenados e as ocupações irregulares despontam como os principais fatores para a ocorrência das mortes e desmoronamentos, que imprimiram uma paisagem de desespero e desolação aos moradores daquela região.
O governo estadual começou a implantar um sistema de alarme nas localidades com maior risco de desabamento, como forma de alertar a população sobre a necessidade de sair dessas regiões em casos de muita chuva. Trata-se de uma solução capaz de evitar tragédias, mas ainda distante de ações necessárias para realmente evitar desmoronamentos.
Os efeitos das mudanças climáticas chegaram para ficar. Os períodos de estiagem são intercalados com outros de alto índice pluviométrico, afetando diretamente os sistemas de drenagem dos municípios. Para enfrentar os desafios impostos pelo clima, as cidades brasileiras precisam contar com sistemas de drenagem adequados. De acordo com dados de 2021 do Sistema Nacional de informações sobre Saneamento (SNIS), o Estado de São Paulo possui uma taxa de cobertura de vias públicas com redes ou canais pluviais subterrâneos na área urbana igual a 27%, sendo que 571 de seus 645 municípios possuem algum nível de cobertura. De todos os municípios paulistas, 243 possuem canalização aberta de seus cursos d´água naturais, enquanto 192 possuem canalização fechada.
A junção de uma série de fatores contribui para impactar os municípios com enchentes frequentes, bem como deslizamentos de encostas. Esse é o resultado do crescimento urbano desordenado ao longo de muitas décadas e da falta de planejamento para o crescimento das cidades. Nas áreas densamente povoadas a impermeabilização massiva do solo agrava os riscos de enchentes e demais desastres.
É importante lembrar o conceito de Uso e Ocupação do Solo que, por meio de legislação municipal, determina as finalidades de uso predominantes nas áreas urbanas e rurais, além de uma permanente ação de fiscalização. Portanto, todas as dinâmicas que ocorrem no município podem impactar diretamente a qualidade dos sistemas de drenagem e também dos demais componentes do saneamento básico como o abastecimento de água, o esgotamento sanitário e o manejo de resíduos sólidos. Todas as situações que, de alguma forma, não obedecem a esse instrumento de gestão, geram pressões e danos aos sistemas de drenagem e aos demais componentes do saneamento básico, que interagem entre si. Como exemplos citam-se assentamentos irregulares, aglomerados subnormais, ocupações irregulares em Áreas de Preservação Permanente (APP) e em Áreas de Proteção e Recuperação de Mananciais (APRM), entre outros.
A partir de agora, é uma corrida contra o tempo para fazer um planejamento condizente com as localidades e implantar sistemas de drenagem urbana adequados às novas condições climáticas, que são complexos, mas necessários para o adequado funcionamento das cidades, mesmo diante de chuvas torrenciais. Essa é uma receita que não vem pronta. Para cada localidade é necessária a realização de estudos técnicos de Engenharia para que sejam propostas as melhores soluções, consideradas todas as alternativas possíveis.
A implantação de sistemas e o planejamento adequado dos nossos municípios são ações urgentes. Caso contrário, novas tragédias virão, trazendo consigo mortes e grandes prejuízos para a população.
*Luciano Afonso Borges é diretor técnico e coordenador do Gt Apecs (Associação Paulista de Empresas de Consultoria e Serviços em Saneamento e Meio Ambiente) e diretor da Maubertec Tecnologia em Engenharia Ltda.