Nesse dia 13 de maio, estaremos diante de 137 anos de abolição formal da escravidão no Brasil. Esse evento é até hoje celebrado como uma benesse de uma Princesa branca chamada Isabel, com a assinatura da Lei Áurea, em 1888.
Mas como em toda fábula ou conto de fadas infantil tem-se que construir a partir de uma narrativa, a princesa branca, bondosa e sensível ao sofrimento dos negros e negras escravizados os libertou por vontade própria e a partir daí todos foram felizes para sempre. Só que não, o que essa estória não conta é que, na época, o sistema socioeconômico que se apoiava na escravidão estava em crise e que a luta e a rebeldia constantes de negros e negras aquilombados, já havia forçado a liberdade de mais de 90% dos afrodescendentes, que já se encontravam livres em 1888.
Portanto, o suposto ato magnânimo da princesa não foi um gesto de bondade, foi o resultado de lutas centenárias que tiveram como maior exemplo o Quilombo dos Palmares, entre o final dos anos 1500 e 1695, liderado por Zumbi e Dandara em sua última fase. Exemplo de um processo muito mais amplo, que se estendeu por todo país, através de quilombos que surgiram em todos os cantos, onde havia escravizados. Algo fundamental no desgaste do sistema ao qual eles serviam.
O “fim da escravidão negra” e a “democracia racial” sempre foi uma farsa no Brasil. Os negros brasileiros supostamente "libertos", não tiveram acesso à terra, à moradia, a empregos decentes, a educação, a saúde, a promoção social... O fim da escravidão não foi acompanhado por políticas de reparações aos negros e negras pelos quatro séculos de trabalhos forçados, perseguições, torturas, estupros, crueldade e encarceramento. E muito menos significou o fim do racismo. Tanto que nos últimos 137 anos a escravidão de negros, pobres e marginalizados foi permanente.
Atualmente o trabalho análogo a escravidão não é mais apenas negro, todavia pesquisas indicam que 88% dos escravizados libertados no Brasil contemporâneo são negros. Na agricultura, na pecuária, no desmatamento, nas carvoarias, na construção civil, na indústria têxtil, no trabalho doméstico, enfim nas diversas cadeias produtivas da economia brasileira.
O capitalismo brasileiro fez sua “acumulação primitiva” com a escravidão, se fortaleceu com ela e, até hoje a continua usando para gerar lucros com suas práticas econômicas superexploratorias e racistas. A combinação entre opressão e a exploração da mão de obra faz parte da própria essência do sistema capitalista no geral e, por isso, ele nunca deu conta de libertar o povo negro, que no Brasil continuou estigmatizado, marginalizado e sofrendo as graves consequências do racismo, ocupando as margens do mercado de trabalho brasileiro, sofrendo com a precarização do trabalho, morando nas periferias das cidades, sem saneamento, trabalho digno, sendo mortos aos milhares pela polícia, grupos de extermínio e o próprio Estado nacional. O Brasil é e sempre foi um Estado estruturalmente racista, comandado por burguesias que sempre coisificaram, desumanizaram e inferiorizaram os negros e negras brasileiros.
Quase um século e meio depois da abolição formal da escravidão, negros e negras continuam acorrentados à miséria, à fome; aos piores empregos, à precarização e ao desemprego; à falta de acesso aos serviços públicos fundamentais, aos direitos trabalhistas e previdenciários. E, o mais grave, sujeitos a uma violência racista e um genocídio sistemático nas periferias. Preto e pobre no Brasil são exterminados.
Atualmente a violência impulsionada pela política genocida de governadores da extrema direita (como em Goiás, São Paulo e no Rio de Janeiro), que desenvolvem políticas de Segurança Pública baseadas na marginalização e no extermínio, ao invés de enfrentar todas formas de exclusão social e precarização da vida que leva a população negra a falta de qualidade de vida.
Hoje, em pleno século 21, a escala 6×1 representa uma forma de “escravidão moderna”, análoga ao período escravocrata, que afeta principalmente, a população negra, sem direito ao descanso, ao lazer ou à vida digna. O trabalho doméstico continua predominante dentre as mulheres negras, pobres e periféricas, submetendo-as a condições precárias, à vulnerabilidade e às mais diversas formas de violação de direitos humanos... Por isso, nesse 13 de maio devemos lembrar que ainda é tempo de resistência de desafiar a ordem escravocrata que inspirou gerações de lutadores pela liberdade. A narrativa oficial que atribui à Princesa Isabel a "libertação" dos escravos é uma distorção histórica que apaga a luta dos próprios afrodescendentes na conquista de sua liberdade. Portanto, é fundamental que reconheçamos a complexidade e a profundidade da luta contra a escravidão e seus legados, e que trabalhemos para construir uma sociedade mais justa e igualitária para todos. Esse 13/05 é momento de memória, luta e resistência. Sem isso a farsa da democracia racial e o fim da escravidão vai continuar.
*Paulo Henrique Costa Mattos é historiador, sociólogo e professor da UnirG.