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Opinião

Thiago Barbosa Soares é analista do discurso, escritor e professor da UFT.

Thiago Barbosa Soares é analista do discurso, escritor e professor da UFT. Foto: Divulgação

Foto: Divulgação Thiago Barbosa Soares é analista do discurso, escritor e professor da UFT. Thiago Barbosa Soares é analista do discurso, escritor e professor da UFT.

Na linguagem popular, “sobrenatural” designa aquilo que, aos nossos olhos, parece escapar às leis ordinárias do mundo. É o nome que se dá aos fenômenos que, por enquanto, não cabem nos esquemas explicativos de nossa época. Ao contrário do que sugere o hábito, não se trata de dois mundos (um “natural” e outro “acima” da natureza), mas de um único mundo, cuja totalidade desconhece-se e do qual apenas fragmentos são acessíveis.

O senso comum, quando não deformado por ideologias ou pretensões pseudocientíficas, sempre soube que a realidade é maior do que o que se vê. A dificuldade está em traduzir essa intuição para a linguagem do conhecimento. A história da ciência é pródiga em exemplos de coisas tidas como sobrenaturais que, com o tempo, revelaram-se naturais: a eletricidade, a origem das doenças, a composição dos astros. O raio, que para o camponês medieval era um gesto de cólera divina, para uma pessoa de hoje é a descarga elétrica resultante da diferença de potencial atmosférico. A realidade não mudou; mudou a consciência dela.

A realidade não se resume ao que se capta pelos sentidos, e tampouco se encerra no que a ciência, em seu estágio atual, é capaz de descrever. Entre o que se percebe e o que efetivamente existe, há camadas de intermediação: limitações perceptivas, hábitos mentais, preconceitos, zonas de sombra cultural. O “sobrenatural” é, nesse sentido, menos um domínio autônomo do que um índice de ignorância, uma ignorância que pode ser provisória ou permanente, dependendo da disposição para buscar a verdade.

O materialismo contemporâneo, ao descartar sumariamente o “sobrenatural”, imagina estar fazendo um gesto de coragem intelectual. Na prática, apenas substitui a fé em anjos e demônios pela fé em fórmulas e dados, esquecendo-se de que tanto as categorias religiosas quanto as científicas são tentativas de apreensão de um real que excede qualquer modelo. Há mistérios que cedem à investigação empírica; outros, porém, exigem que o intelecto abra-se a dimensões qualitativas, simbólicas e metafísicas, sem as quais o próprio ato de conhecer torna-se estéril.

Essa lição pode ser verificada na vida comum. Um ruído súbito na casa vazia, uma coincidência improvável, uma cura inesperada, todos esses fatos, antes de serem explicados (ou não), nos despertam para a percepção de que o mundo é maior do que o inventário que dele se faz. A pressa em catalogar o fenômeno ou descartá-lo como superstição revela não tanto zelo científico quanto impaciência filosófica. O intelecto maduro é aquele que não teme conviver com o enigma, reconhecendo que o que hoje se chama de “mistério” poderá amanhã ser conhecimento, isso não diminuirá o assombro, mas o refinará.

O “sobrenatural”, assim entendido, não é um mundo paralelo, mas o próprio mundo, visto de ângulos que ainda não se compreende. Não há, portanto, um abismo entre as leis da física e as leis de Deus; há apenas degraus de compreensão, nos quais o homem ascende ou decai conforme sua disposição de conhecer. O mapa da realidade é incompleto, mas não porque haja territórios ocultos por princípio, e sim porque não percorremos ainda todo o caminho.

No fim, a distinção entre natural e sobrenatural revela-se apenas um reflexo de nossa condição histórica: somos viajantes que confundem a neblina com um muro, o desconhecido com o impossível. Quando a neblina dissipa-se, percebemos que tudo o que existe, existe no mesmo plano da realidade; que o verdadeiro milagre não está em haver “outro mundo”, mas no fato de que este, o único mundo, é inesgotavelmente mais vasto e multidimensional do que o que nossa vã filosofia supõe.

*Thiago Barbosa Soares é analista do discurso, escritor e professor da Universidade Federal do Tocantins (UFT).