O recente episódio de obstrução da pauta legislativa na Câmara Federal, quando bolsonaristas promoveram um motim, impedindo, por dois dias, o trabalho regular do Congresso, sinaliza a continuidade da crise democrática que, há décadas, corrói a imagem de nossa representação política. Mas, convém lembrar que a degradação do Congresso Nacional não é apenas um problema conjuntural, mas estrutural, revelando o esgarçamento do pacto democrático e a crescente distância entre representantes e representados.
A esfera política nunca foi tão mal avaliada. Pesquisas recentes sobre a imagem dos congressistas revelam uma percepção majoritariamente negativa da atuação do Congresso Nacional. A desaprovação do Congresso é alta, com números semelhantes à reprovação do governo Lula e com uma visão mais negativa entre os eleitores de Bolsonaro.
A maioria da população desaprova a atuação do Congresso Nacional, com 51% de reprovação, segundo a última pesquisa realizada. A última pesquisa sobre a imagem dos políticos, realizada pela Datafolha, mostra que 78% dos brasileiros acham que o Congresso age em interesse próprio. E mais: o Legislativo tem a pior avaliação entre os três Poderes da República.
Aproximadamente 42% aprovam o trabalho do Congresso. A pesquisa mostrou que os mais pobres tendem a aprovar mais o Congresso do que os mais ricos. Além disso, eleitores de Lula têm uma visão mais favorável ao Congresso do que os de Bolsonaro.
O fato é que o Congresso vem sofrendo um grave desgaste de legitimidade perante a opinião pública. A percepção geral é a de um parlamento tomado por interesses particulares, fisiológicos ou corporativos, desconectado das reais necessidades do povo. As figuras parlamentares cada vez mais se moldam à lógica das redes sociais. Deputados e senadores viram influencers, priorizando a viralização de falas agressivas ou "lacradoras" em detrimento da atuação legislativa substantiva. A política se reduz ao espetáculo, e o debate público é substituído por slogans e memes.
Além disso, o Congresso tem sido capturado por lobbies diversos: do agronegócio, das igrejas neopentecostais, das grandes empresas, de corporações armadas, entre outros. Comissões são loteadas e pautas são compradas ou negociadas em troca de vantagens. A agenda pública cede lugar à pauta de interesses.
A prática do "toma-lá-dá-cá" se institucionalizou de tal forma que cargos, verbas e emendas secretas tornaram-se moeda corrente para a manutenção do apoio ao governo da vez, independentemente de ideologias. A governabilidade passa pela barganha e não pelo convencimento democrático.
Casos de corrupção, rachadinhas, falsos pronunciamentos, manipulações regimentais e blindagem de aliados corroem a imagem institucional do Legislativo. O Parlamento, que deveria ser casa da transparência, é frequentemente visto como espaço de impunidade.
Em suma, o Congresso legisla menos e legisla mal. Muitas leis são aprovadas a toque de caixa, sem debates profundos ou audiências públicas. Outras vezes, renuncia a seu papel e delega competências ao Executivo, inclusive em temas sensíveis.
O que poderia ser feito para melhorar o conceito da instituição política? A resposta aponta para a educação política. Ao promover a educação política, é possível combater a descrença na política e na democracia, incentivando a participação ativa dos cidadãos na construção de um futuro melhor para todos. Essa meta inclui um conjunto de providências, entre as quais o debate de temas relevantes, a formação de jovens cidadãos, o investimento na formação de educadores e a criação de diálogo e participação.
Combater a corrupção, implementando mecanismos de controle e fiscalização eficazes, punindo exemplarmente os corruptos e promovendo a transparência na gestão pública. Fortalecer a democracia, estimular a participação cidadã em conselhos municipais, audiências públicas e outros espaços de discussão, além de garantir eleições justas e transparentes. Realizar reformas políticas, tornando as campanhas eleitorais mais justas e transparentes, além de garantir a representatividade e a governabilidade. Exigir conduta ética e transparente dos políticos, promovendo a responsabilização por seus atos e a punição de desvios de conduta. Reconhecer a importância da política como ferramenta de transformação social e promover o debate público sobre temas relevantes para a sociedade.
A educação política é um investimento no futuro da democracia, pois contribui para a formação de cidadãos conscientes, críticos e engajados, capazes de transformar a sociedade para melhor.
*Gaudêncio Torquato é escritor, jornalista, professor titular da USP e consultor político.