A recente sanção da Lei 15.256/25, que incentiva o diagnóstico de Transtorno do Espectro Autista (TEA) em adultos e idosos, marca um momento histórico para a neurodiversidade no Brasil. A lei reconhece formalmente que muitas pessoas com autismo só descobrem sua condição na fase adulta ou na terceira idade — e que esse atraso tem consequências profundas para a vida dessas pessoas.
O professor e especialista em inclusão, Nilson Sampaio, destaca que o diagnóstico tardio priva muitas pessoas de entender quem realmente são. “Sem uma identificação formal, muitos adultos autistas passam décadas tentando se ajustar socialmente, acumulando frustrações, ansiedade, sobrecarga sensorial e autojulgamentos”, explica. Ele reforça que o autoconhecimento proporcionado pelo diagnóstico pode ser transformador. “Diagnosticar-se tardiamente não muda quem a pessoa é, mas possibilita uma nova forma de lidar com suas características, com mais empatia e estratégia, seja no trabalho, na família ou na vida social”, ressalta o especialista.
Segundo Sampaio, muitos adultos não diagnosticados podem vivenciar ao longo de suas vidas:
- Camuflagem social: adotam estratégias para “se encaixar”, o que gera fadiga emocional e sensação de ser sempre “fora de lugar”;
- Sobrecarga sensorial: ambientes barulhentos, reuniões longas, estímulos visuais ou táteis podem ser extremamente desgastantes, sem que a pessoa entenda por que se sente diferente;
- Entraves no trabalho: dificuldade para manter foco, lidar com multitarefas ou adaptar-se a rotinas exigentes pode levar a esgotamento, baixa produtividade ou mudança constante de emprego;
- Relações interpessoais afetadas: sem entender sua neurodivergência, muitos adultos interpretam seus desafios como falhas pessoais, gerando isolamento, culpa e baixa autoestima.
Impacto do diagnóstico tardio
A jornalista Bruna Bozza, de 37 anos, recebeu há menos de um ano o diagnóstico de TEA, depois de uma vida inteira interpretada por rótulos equivocados. Cresceu sendo vista como “chorona”, “esquisita” ou “sem noção”, em uma época em que neurodivergência não era discutida. Seu primeiro diagnóstico veio aos 23 anos, na faculdade de Jornalismo, quando um professor percebeu sinais de TDAH e dislexia. Porém, as medicações disponíveis na época não funcionaram, e ela passou 13 anos lidando sozinha com comorbidades, exaustão e dificuldades sociais.
Em janeiro deste ano, ao iniciar uma nova medicação que enfim trouxe estabilidade ao TDAH, outros sintomas ficaram mais evidentes. Foi o início de uma investigação de nove meses, que envolveu testes, revisitar traumas, episódios de bullying e comportamentos que sempre estiveram presentes. O resultado foi o diagnóstico de TEA nível 1, associado a Altas Habilidades — combinação que finalmente organizou sua história. “O diagnóstico trouxe alívio, porque finalmente entendi quem eu sou. Mas também trouxe um luto profundo. O que mais me atravessa é o ‘e se…’. E se tivessem percebido antes? E se eu tivesse tido acolhimento? Enquanto os outros avançavam, eu gastava toda a minha energia apenas para sobreviver e parecer normal”, desabafa a jornalista.
Para Sampaio, os ganhos de um diagnóstico, ainda que tardio, são significativos. O especialista elenca algumas vantagens:
- Autoconhecimento e validação: entender que suas particularidades têm explicação neurológica ajuda a pessoa a se aceitar e a recontextualizar muitos episódios da vida;
- Acesso a intervenções e estratégias: com o diagnóstico, é possível buscar terapias focadas (ocupacional, psicológica, coaching neurodivergente), além de adaptações práticas no dia a dia;
- Rede de apoio: lançar mão de grupos, comunidades e redes de suporte específicas para autistas adultos ou idosos;
- Inclusão social e profissional: demandar e negociar adaptações no trabalho, na rotina e nos relacionamentos com base em necessidades reais, e não mais em “jeitos de ser difíceis”.
A nova lei e a urgência da ação
A legislação sancionada abre caminho para políticas públicas mais efetivas: capacitação de profissionais de saúde para diagnosticar TEA em qualquer fase da vida, campanhas de conscientização sobre autismo adulto/idoso, e estruturação de redes de atendimento multidisciplinar para apoiar neurodivergentes. “A lei é um passo fundamental, mas precisamos agora garantir acessibilidade real, ou seja, que adultos autistas tenham profissionais qualificados disponíveis, laudos acessíveis e políticas que apoiem sua singularidade. Diagnosticar é apenas o começo; o verdadeiro avanço será quando tivermos inclusão genuína”, destaca Sampaio.
Apesar do aumento dos diagnósticos e do acesso a conteúdos sobre neurodiversidade, o preconceito contra autistas de nível 1 de suporte ainda é frequente. Muitas vezes chamados de “autistas funcionais”, eles enfrentam uma carga silenciosa: conseguem viver em sociedade, mas às custas de intenso esforço para mascarar características naturais e se encaixar em padrões sociais. “Esse processo resulta em desgaste físico e mental, dores, inflamações e condições como ansiedade e depressão. Outro desafio é a percepção distorcida da população, que frequentemente desmerece ou desacredita do diagnóstico do autista de nível 1, alimentando piadas, desrespeito e ridicularização”, completa o especialista.

