De grande repercussão na mídia nacional e até internacional, o caso da GAS Consultoria chama atenção pelos valores envolvidos, que ultrapassam bilhões de reais e deixam milhares de pessoas na incerteza sobre o paradeiro das suas economias.
A visibilidade do caso fez com que o sócio da GAS Consultoria Bitcoin, Glaidison Acácio dos Santos ganhasse notoriedade e, hoje, seja reconhecido como o ex-garçom que se tornou o “Faraó dos Bitcoins”, que está preso por uma acusação de pirâmide financeira.
Sabido é a importância das manchetes para o jornalismo e os cuidados especiais que merecem. Delas depende o sucesso da venda da notícia.
Do ponto de vista jurídico, a situação não expressa a verdade dos fatos, pois Glaidson Acácio dos Santos não está preso sob a acusação de operar uma pirâmide financeira, senão vejamos:
Para melhor elucidação, segundo conceituado no site da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), pirâmides financeiras são esquemas irregulares para captação de recursos da população, em que lucros ou rendimentos são pagos com os aportes de novos participantes, que pagam para aderir à estrutura (“investimento inicial”).
A adesão de novos membros expande a base da pirâmide, mas essa expansão é insustentável e, inevitavelmente, não será suficiente para pagar todos os compromissos. Atrasos nos pagamentos levarão ao desmoronamento do esquema, gerando prejuízos especialmente para os novos aderentes, que por terem ingressado mais recentemente, não terão tempo para recuperar o que foi “investido”. Em geral, pirâmides financeiras não são de competência da CVM, mas configuram crimes contra a economia popular e, por isso, são comunicados ao Ministério Público.
Com base nesse conceito ao atribuir ao Glaidison a acusação de pirâmide, ele estaria sendo processado na Justiça Estadual com base no artigo 2ª, inciso IX, da Lei 1.521/51, que consiste em tentar ou obter ganhos ilícitos, através de especulações ou meios fraudulentos, causando prejuízo a diversas pessoas.
Cabe frisar que versa sobre o sócio da GAS a acusação de crimes contra o sistema financeiro nacional, os conhecidos “crimes do colarinho branco” de competência federal, tendo como base acusatória o fato da GAS funcionar como instituição financeira, sem autorização para tal, o que nos causa estranheza, não pelo fato dele estar sendo processado, mas pelos inúmeros casos semelhantes que não foram tratados da mesma maneira.
Podemos aqui destacar o caso da Atlas Quantum, onde Rodrigo Marques fez igual ou pior, e hoje inclusive se aventura juridicamente cobrando da CVM os valores que se apropriou dos clientes dizendo que o órgão foi culpado por ter suspendido suas operações. O prejuízo dos credores foi intensificado na medida que, ao contrário do caso da GAS, no caso da Atlas Quantum a Justiça Federal declinou da sua atuação.
Nessa linha, fica claro que se a Justiça Federal tivesse a mesma atuação em outros casos, como está tendo no caso da GAS, não teríamos hoje a absurda marca de mais de 15 milhões de vítimas de fraudes envolvendo investimentos financeiros, porém a regra sempre foi o declínio de competência.
Diante dessa situação, e aqui não adentramos ao mérito em relação aos acusados, mas sim em defesa aos milhões de investidores lesados em fraudes financeiras, tratar o caso da GAS como único em detrimento de outros além de parecer injusto. Corre o risco de, na frente, os advogados de defesa alegarem erro de proibição, com base no artigo 21 do Código Penal, tendo em vista que ante tanta permissividade, o agente não compreendia o fato como ilícito ou o enxergava como permitido, tendo assim em seu favor excludentes de culpabilidade que, de forma mais simples, desviariam ou excluiriam da culpa, deixando de ser cabível a punição, mesmo que ele tenha realizado a ação.
Jorge Calazans é advogado especialista na área criminal, conselheiro estadual da Anacrim e sócio do escritório Calazans & Vieira Dias Advogados, com atuação na defesa de vítimas de fraudes financeiras.