O Projeto de Lei que altera as regras do licenciamento ambiental (PL 2.159/2021), em discussão no Senado nesta semana, pode excluir a obrigatoriedade de estudos de impacto ambiental em 259 Terras Indígenas (TIs) — quase um terço das existentes —, mais de 1,5 mil Territórios Quilombolas e 1.195 Unidades de Conservação estaduais e federais no País todo.
Essa avaliação está em uma nota técnica lançada pelo Instituto Socioambiental (ISA) nesta segunda-feira (19), que analisa os impactos da nova lei. A proposta foi aprovada na manhã desta terça (20) na Comissão de Meio Ambiente do Senado e pode ser votada no plenário ainda esta semana.
Segundo o ISA, o PL 2.159/2021 retira a obrigatoriedade de licenciamento para empreendimentos que impactem os territórios indígenas ou quilombolas que ainda não foram homologados ou titulados, mesmo para áreas tradicionais já reconhecidas pelo Estado e em processo de regularização. O levantamento aponta que 32,6% das TIs no Brasil estão em fases intermediárias de reconhecimento (estudo, declaração ou delimitação) e seriam desconsideradas com a nova lei. No caso dos quilombolas, mais de 80% dos territórios ainda não foram titulados e seriam igualmente ignorados.
Nas unidades de conservação, só serão considerados os impactos dos empreendimento dentro do limite das áreas – na chamada Área Diretamente Afetada (ADA) – desconsiderando os desdobramentos do entorno, como desmatamento em terrenos vizinhos, contaminação de cursos d’água, fragmentação de habitats e deslocamento forçado de comunidades, efeitos registrados em grandes obras, especialmente na Amazônia.
Na prática, segundo o ISA, as áreas protegidas deixarão de existir juridicamente para os órgãos licenciadores, abrindo caminho para projetos de infraestrutura, mineração e agronegócio. Assim, terras indígenas, quilombos e unidades de conservação estarão mais vulneráveis ao desmatamento, à grilagem e à construção de grandes empreendimentos sem o devido cálculo de impacto ambiental, além de atrapalhar as metas do Brasil no Acordo de Paris.
Ao todo, o PL 2.159/2021 tem 61 artigos e prevê a isenção de licenças para diversos empreendimentos e setores econômicos com potencial poluidor. Também concede a estados e municípios o poder de ampliar essa lista e generalizar o licenciamento autodeclaratório e automático, sem análise prévia ou controle por órgãos ambientais.
No Senado, o PL está sob as relatorias de Confúcio Moura (MDB-RO) e Tereza Cristina (PP-MS) com a previsão de ser levado para votação em plenário na quarta-feira (21).
Além de desproteger populações e ecossistemas, a proposta também pode criar insegurança jurídica, na avaliação de especialistas. Ao ignorar territórios ainda em regularização, os impactos sobre essas áreas continuarão a ocorrer, mas sem previsão legal de medidas compensatórias, o que poderá gerar judicialização.
“Mexer no licenciamento ambiental é mexer em toda a base de sustentação ecológica do País”, alerta Antonio Oviedo, um dos autores da nota do ISA. “Ao enfraquecer esse instrumento, o Brasil estará pavimentando o caminho para mais desastres socioambientais, perda de vidas e o agravamento da crise climática”, avalia.
BR-319 é exemplo de obra com impacto direto em terras indígenas e unidades de conservação na Amazônia e que pode ter licenciamento facilitado com novas regras. (Foto: Fábio Bispo/InfoAmazonia)
Autolicenciamento e área de impacto
O projeto de lei também institucionaliza o autolicenciamento por meio da Licença Ambiental por Adesão e Compromisso (LAC), um tipo simplificado de licenciamento para empreendimentos considerados de baixo ou médio potencial poluidor: “Em vez de racionalizar processos e estabelecer padrões mínimos que possam ser aplicados em todo o país, os parlamentares optaram por privilegiar o autolicenciamento e as isenções de licença. Um simples apertar de botão pelo empreendedor gerará uma licença. É uma irresponsabilidade”, critica Suely Araújo, coordenadora de políticas públicas do Observatório do Clima.
Outro ponto considerado crítico pela nota técnica do ISA é a desobrigação da autorização de órgãos gestores das unidades de conservação para os empreendimentos, como o ICMBio e secretarias estaduais. A proposta também substitui normas técnicas consolidadas, como a Portaria Interministerial nº 60/2015, que determina as distâncias mínimas entre áreas protegidas e grandes empreendimentos, como hidrelétricas e rodovias, para o licenciamento federal.
Essas alterações, além de permitir que os empreendimentos estejam mais perto de áreas ambientalmente sensíveis, podem influenciar diretamente nos processos de consultas prévias às comunidades tradicionais afetadas, como prevê a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), da qual o Brasil é signatário.
O Observatório do Clima, rede de organizações ambientalistas do país, avalia que o PL “ignora diretrizes da Convenção nº 169 da OIT”, como escreve em sua nota técnica, “ao não prever qualquer exigência relacionada à consulta prévia de comunidades indígenas e tradicionais”.
“Esse projeto de lei institucionaliza o racismo ambiental. Ele desconsidera a existência e a opinião de povos indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais que podem ser impactados por empreendimentos econômicos. A proposta joga ao descaso e à violência comunidades de mais de 40% das terras indígenas e de mais de 95% dos territórios quilombolas do país”, explica Alice Dandara de Assis Correia, advogada do ISA.
Mariana Mota, gerente política do Greenpeace Brasil, afirma que, às vésperas da COP30, o Senado pautou este projeto a toque de caixa: “Isso não é apenas um retrocesso, é um atestado de que a política brasileira segue refém de um projeto de poder que troca direitos por danos e prevenção por tragédia anunciada”. (InfoAmazonia)