Conexão Tocantins - O Brasil que se encontra aqui é visto pelo mundo
Opinião

Fernanda Brandão é coordenadora do curso de Relações Internacionais da Faculdade Presbiteriana Mackenzie Rio

Fernanda Brandão é coordenadora do curso de Relações Internacionais da Faculdade Presbiteriana Mackenzie Rio Foto: Divulgação

Foto: Divulgação Fernanda Brandão é coordenadora do curso de Relações Internacionais da Faculdade Presbiteriana Mackenzie Rio Fernanda Brandão é coordenadora do curso de Relações Internacionais da Faculdade Presbiteriana Mackenzie Rio

Durante a reunião de cúpula dos BRICS, uma declaração do então presidente norte-americano Donald Trump chamou a atenção: “o dólar é rei” e qualquer país que se alinhasse aos BRICS na adoção de medidas antiamericanas sofreria consequências, como a imposição de tarifas adicionais de 10% sobre suas importações. A motivação para a ameaça foi a menção, na declaração final da cúpula dos BRICS+, ao fortalecimento do comércio entre os países do grupo, favorecendo o uso de suas moedas nacionais, reduzindo os custos de transação e a dependência em relação ao dólar. Mas seriam essas medidas realmente antiamericanas, como afirmou o presidente norte-americano?

Os BRICS foram institucionalizados como um espaço de cooperação entre países emergentes após a crise financeira de 2008-2009. O impacto direto da crise sobre esses países foi menor, pois seus mercados financeiros estavam pouco expostos aos títulos de altíssimo risco que desencadearam a crise do subprime nos Estados Unidos. Contudo, os efeitos chegaram posteriormente, via dólar. As políticas anticíclicas adotadas pelo Federal Reserve (FED) exportaram inflação para esses países e forçaram a desvalorização do dólar, prejudicando a competitividade de suas exportações em um contexto de desaceleração da economia global. A China, por meio de um massivo pacote de estímulo doméstico, contribuiu para que o desaquecimento não fosse ainda mais grave, mantendo a atividade econômica interna em ritmo acelerado e sustentando sua demanda por importações — inclusive de países impactados pela crise.

Nesse cenário, os BRICs, ainda sem a África do Sul, institucionalizaram o grupo como um espaço de cooperação entre economias emergentes, com o objetivo de se apresentarem de forma coordenada e uníssona na governança financeira global. Esses países buscavam maior poder de voz nos fóruns internacionais sobre economia, uma vez que haviam se tornado importantes motores do crescimento global e desempenharam papel relevante no processo de reequilíbrio da economia internacional no pós-crise. Já não podiam mais ser ignorados como atores periféricos: mostraram-se peças-chave para a manutenção de uma economia global dinâmica e próspera. A inclusão da África do Sul, em 2011, teve como objetivo reforçar a legitimidade do grupo como representante do Sul Global e dos países em desenvolvimento, ao incorporar um membro do continente africano.

Desde sua criação, os BRICS defendem, entre outras pautas, a reforma das cotas de votação do Fundo Monetário Internacional (FMI) e do Banco Mundial; a redução da dependência do dólar — que torna essas economias reféns da política macroeconômica dos Estados Unidos, guiada prioritariamente por seus próprios interesses, e não pela estabilidade global; e o fortalecimento do G20 como principal fórum de governança financeira internacional, uma vez que esse grupo inclui representação dos países em desenvolvimento. Dentro desse contexto, os BRICS passaram a incentivar a realização de transações comerciais entre si com preferência pelas moedas nacionais, buscando reduzir vulnerabilidades cambiais. Na cúpula realizada no Brasil neste ano, esse compromisso foi reafirmado, agora no âmbito de um BRICS+ com novos integrantes, além dos cinco membros originais.

Vale destacar que o processo de desdolarização, lento e progressivo, da economia global teve início no pós-crise, e os BRICS não são os únicos preocupados em reduzir sua dependência em relação ao dólar. Dados do COFER (Currency Composition of Official Foreign Exchange Reserves), do FMI, mostram a redução gradual das reservas cambiais globais denominadas em dólar — sem, no entanto, um aumento proporcional das reservas em moedas dos BRICS. Em contrapartida, moedas como o dólar canadense, o dólar australiano e o franco suíço vêm ganhando espaço como ativos de reserva. Além disso, dados da rede SWIFT evidenciam o aumento das transações comerciais realizadas em moedas alternativas ao dólar. Embora este ainda seja, de forma incontestável, a moeda dominante na economia internacional, outras moedas começam a ganhar relevância e participação.

A desdolarização global é um fenômeno em curso, apesar de sua lentidão. Afinal, uma desvalorização repentina dos ativos denominados em dólar não interessa a nenhum País que detenha grandes reservas nessa moeda. Contudo, a percepção de instabilidade econômica causada pelas decisões e pela condução da política econômica dos Estados Unidos tem reforçado a tendência gradual de diversificação. As políticas comerciais erráticas e unilaterais do governo Trump apenas reforçaram a imagem dos EUA como uma fonte de instabilidade e um parceiro econômico pouco confiável. O engajamento dos BRICS na redução da dependência do dólar visa proteger suas economias das vulnerabilidades geradas por essa dependência. Trata-se de uma estratégia de resiliência fundamental, sobretudo para países em desenvolvimento, cujo avanço econômico é peça-chave para a manutenção da estabilidade política e social.

*Fernanda Brandão é coordenadora do curso de Relações Internacionais da Faculdade Presbiteriana Mackenzie Rio.