Conexão Tocantins - O Brasil que se encontra aqui é visto pelo mundo
Opinião

Marcelo Aith é advogado criminalista.

Marcelo Aith é advogado criminalista. Foto: Divulgação

Foto: Divulgação Marcelo Aith é advogado criminalista. Marcelo Aith é advogado criminalista.

Em nova decisão proferida nesta quinta-feira (24), o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), manteve as medidas cautelares impostas ao ex-presidente Jair Bolsonaro e rejeitou os embargos de declaração apresentados por sua defesa. Embora tenha negado o recurso, Moraes reforçou os limites da proibição de uso de redes sociais, esclarecendo que entrevistas e discursos públicos não podem ser usados como meio indireto de divulgação digital por terceiros.

A defesa do ex-presidente havia protocolado embargos em 22 de julho, pedindo que a decisão anterior, de 17 de julho, fosse esclarecida quanto à possibilidade de Bolsonaro conceder entrevistas. Segundo os advogados, o ex-presidente se comprometeria a não se manifestar publicamente até a definição do alcance da proibição.

No entanto, o ministro já havia sinalizado, em 21 de julho, que a vedação à presença nas redes sociais incluía também “transmissões, retransmissões ou veiculação de áudios, vídeos ou transcrições de entrevistas em qualquer das plataformas digitais, inclusive de terceiros”. O objetivo seria impedir o uso indireto dessas mídias para burlar a ordem judicial, sob pena de revogação das medidas cautelares e eventual decretação de prisão preventiva.

Na decisão de hoje, Moraes destacou que, dias antes, foram publicadas postagens nas redes sociais com imagens do ex-presidente exibindo o equipamento de monitoramento eletrônico e realizando discurso direcionado ao público digital. Diante do possível descumprimento, a defesa foi intimada a prestar esclarecimentos em 24 horas.

A resposta dos advogados argumentou que Bolsonaro não poderia ser responsabilizado por conteúdos republicados por terceiros, dada a lógica imprevisível da comunicação digital. Moraes, no entanto, rejeitou essa justificativa e afirmou que há elementos que demonstram coordenação prévia entre o ex-presidente e seus apoiadores para a publicação do material. Essa conduta, segundo ele, revela a intenção de "embaraçar a ação penal" e reproduz um modus operandi já identificado em investigações sobre as chamadas “milícias digitais”.

O ministro mencionou ainda que essas práticas buscariam instigar até mesmo chefes de Estado estrangeiros a interferir em investigações em curso no Brasil, o que poderia configurar atentado à soberania nacional. Entre os possíveis crimes associados, Moraes cita coação no curso do processo (art. 344 do Código Penal), obstrução de investigação de organização criminosa (Lei 12.850/13) e atentado à soberania (art. 359-I do Código Penal).

Um ponto central da decisão é a reafirmação de que Bolsonaro não está proibido de conceder entrevistas ou fazer discursos, desde que respeitados os horários e limites impostos pelas medidas restritivas. O problema, segundo Moraes, está na “instrumentalização” dessas falas para criar conteúdo voltado à circulação digital, com o claro propósito de burlar as restrições às redes sociais.

A Corte entende que a replicação sistemática de discursos por perfis coordenados — ainda que não controlados diretamente por Bolsonaro — poderá levar à conversão das cautelares em prisão preventiva. “Não seria lógico e razoável permitir a utilização do mesmo modus operandi criminoso com diversas postagens nas redes sociais de terceiros”, escreveu Moraes, citando a atuação de “milícias digitais” já alvo de investigações.

Um episódio citado na decisão ocorreu na Câmara dos Deputados, quando Bolsonaro discursou e, logo depois, a íntegra da fala foi publicada nas redes do deputado Eduardo Bolsonaro, também investigado. O ministro considerou esse episódio uma irregularidade isolada e não decretou a prisão do ex-presidente, mas fez uma advertência clara: “se houver novo descumprimento, a conversão será imediata”.

A decisão mantém a linha dura adotada por Moraes nos inquéritos que envolvem o ex-presidente, mas levanta discussões sobre a viabilidade prática da medida. A ressalva feita pelo ministro — de que entrevistas são permitidas, desde que não resultem em conteúdos para redes sociais — parece, na prática, de difícil execução. Na era da comunicação instantânea, é improvável que qualquer manifestação pública não seja filmada, compartilhada e difundida por apoiadores.

Essa limitação, embora juridicamente válida, pode representar uma armadilha jurídica para o investigado. A cada fala pública, o risco de “descumprimento reflexo” da cautelar se renova, independentemente de sua intenção direta. E, embora Moraes ressalte que a Justiça “é cega mas não é tola”, há dúvidas sobre como distinguir ações deliberadas de burlas acidentais ou espontâneas, quando a viralização ocorre por iniciativa alheia.

O cerco jurídico se fecha, mas a complexidade operacional do caso acende alerta. Prender o ex-presidente por atos de terceiros, neste momento, geraria um tumulto político e jurídico de grande escala. Em vez disso, uma flexibilização prudente da cautelar — com ênfase no monitoramento do conteúdo e na prova da intenção dolosa — poderia preservar o equilíbrio entre o devido processo legal e a liberdade de expressão.

*Marcelo Aith é advogado criminalista. Doutorando Estado de Derecho y Gobernanza Global pela Universidad de Salamanca - ESP. Mestre em Direito Penal pela PUC-SP. Latin Legum Magister (LL.M) em Direito Penal Econômico pelo Instituto Brasileiro de Ensino e Pesquisa – IDP. Especialista em Blanqueo de Capitales pela Universidad de Salamanca.