No primeiro semestre de 2026, o PT fará um congresso partidário para definir seu rumo. Discutirá mudanças em seu funcionamento e programa partidário. O congresso será a largada para a campanha à reeleição de Lula. Pelo andar da carruagem, o PT, depois de anos tentando se equilibrar no centro do arco ideológico, fará uma guinada à esquerda, resgatando suas surradas crenças - o velho discurso do “Nós contra Eles”, “Pobres contra Ricos”, como se percebe no verbo de Lula, que volta a vestir o macacão do sindicalista inflamado do final dos anos 70.
Ele acredita que, para disputar a reeleição em 2026, deve reforçar a pauta de esquerda, afastar-se da moderação e voltar a vestir o manto que cobriu o PT nos seus primeiros tempos. Como se sabe, em seus dois mandatos anteriores, Lula soube deixar de lado os velhos dogmas para garantir apoios no Congresso e para fazer os ajustes necessários na economia.
Nos últimos anos, o partido sofreu com o desgaste de sua imagem. Escândalos de corrupção e crises econômicas corroeram parte da confiança de setores da classe média e de jovens que cresceram em ambiente de polarização. O desgaste também ocorreu por conta das tensões internas. Enquanto correntes mais à esquerda defendem o retorno às origens combativas, com ênfase em mobilização popular e crítica ao capitalismo financeiro, outros setores advogam moderação, alianças amplas e políticas públicas de consenso, como forma de garantir estabilidade
Apesar de sua divisão, o PT manteve estrutura orgânica e capilaridade invejáveis. É o partido com grande presença municipal, com bancada sólida no Congresso e com uma militância fiel. Essa base, porém, está envelhecendo. O desafio, hoje, está em renovar quadros (escassos no PT) e discursos sem romper o elo com o passado. O que se espera do PT pós-Lula? Um partido de massa, como nos anos 1980? Um ente que desfraldava a bandeira do socialismo? Um movimento progressista híbrido, articulado com redes sociais e causas transnacionais? Ou uma força pragmática de centro-esquerda, voltada à governabilidade e à manutenção do poder?
O fato é que o Partido dos Trabalhadores chega à metade da década de 2020 em posição paradoxal: está no poder, porém, cercado por incertezas. Maior partido de esquerda do país, forjado na luta sindical, nas comunidades eclesiais de base e nos movimentos sociais (base de sua criação em 10 de fevereiro de 1980), precisa agora decidir o que quer ser quando o carisma de Lula deixar de ser o eixo da política brasileira. O PT sempre orbitou em torno do seu líder fundador. É ele quem costura alianças, pacifica tendências e mobiliza filiados. Passadas mais de quatro décadas desde sua criação, a legenda se vê diante da necessidade de se reinventar sem perder o DNA que o fez nascer.
O futuro do PT, portanto, dependerá de sua capacidade de preservar a identidade e modernizar a narrativa. Implica manter o compromisso com a justiça social, com o trabalho, a educação e a redução das desigualdades. Exige atualizar a linguagem política, dialogar com novas gerações, compreender as pautas identitárias, ambientais e tecnológicas que moldam a sociedade contemporânea. O eleitor do século XXI já não se move apenas por ideologia, mas por percepções difusas de bem-estar, emprego, segurança e eficiência administrativa.
No plano eleitoral, o PT sabe que a esquerda isolada não vence. Daí a importância das Federações que unem o PT com partidos do centro democrático. Lula terá de atrair parcela dos votos do Centrão. A vitória de Lula em 2022 mostrou a força de uma coalizão ampla, mas também revelou seus limites: há uma tensão permanente entre governar com pragmatismo e preservar a coerência ideológica. O eleitor petista tradicional deseja mais radicalidade; o eleitor mediano, mais previsibilidade. Conciliar esses polos será o segredo da sobrevivência. O grande desafio é conquistar o apoio das classes médias (AB + e parte da C).
Outro ponto decisivo é a comunicação política. O PT ainda fala muito com o passado e pouco com o futuro. As redes sociais fragmentaram o espaço público, e a direita soube explorar melhor esse terreno. É urgente que o partido reconstrua sua narrativa digital, aproximando-se de influenciadores, jovens criadores de conteúdo e movimentos sociais contemporâneos. A política emocional e simbólica da era das telas exige linguagem nova, capaz de traduzir valores de solidariedade e inclusão em mensagens curtas, visuais e empáticas.
No horizonte de 2026, o partido precisa apresentar um projeto de país para além da memória de Lula. Caso contrário, correrá o risco de transformar-se em guardião de um passado glorioso, mas distante. Se conseguir formar nova geração de líderes, renovar a militância e oferecer respostas às angústias do tempo — emprego, sustentabilidade, educação digital, segurança pública —, o PT poderá continuar a desempenhar papel central. Se não, pode ver-se reduzido à condição de partido histórico, respeitado, porém marginalizado por uma sociedade em mutação acelerada.
O futuro do PT será decidido não por seus adversários, mas pela sua capacidade de reconectar-se com o Brasil real — o Brasil dos aplicativos, das periferias digitais, da juventude plural, das pequenas cidades conectadas e dos novos trabalhadores autônomos. O partido que nasceu nas fábricas. Não por acaso, Lula acaba de sugerir que os candidatos do partido em 2026 voltem aos portões das fábricas. A bandeira da esquerda só continuará desfraldada se conseguir iluminar o mundo novo que surge.
*Gaudêncio Torquato é escritor, jornalista, professor titular da USP e consultor político.

