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Opinião

Thiago Barbosa Soares é analista do discurso, escritor e professor da UFT.

Thiago Barbosa Soares é analista do discurso, escritor e professor da UFT. Foto: Divulgação

Foto: Divulgação Thiago Barbosa Soares é analista do discurso, escritor e professor da UFT. Thiago Barbosa Soares é analista do discurso, escritor e professor da UFT.

Fala-se em revolução educacional, em salas de aula do século XXI, em alunos críticos e criativos. Mas nas escolas públicas de ensino fundamental e médio, onde a maioria dos brasileiros aprende (ou deveria aprender), o professor está só. Só diante de salas superlotadas, currículos engessados (em sistemas absolutamente idealizados), estruturas precárias e um discurso vazio sobre “formação continuada” que, na prática, resume-se a pacotes de cursos burocráticos, distantes da realidade concreta das paredes rachadas e dos alunos com fome. Uma farsa que desgasta quem ainda ousa acreditar.

A verdadeira formação do professor da rede pública não se comprime em módulos EAD genéricos sobre “metodologias inovadoras”, aplicadas em contextos nos quais há falta papel higiênico. Ela nasce do chão da escola, da coragem de encarar o vazio pantanoso entre o currículo prescrito e a vida pulsante (muitas vezes dolorosa) dos alunos. É o professor de História que, ao ver o desinteresse pela Revolução Francesa, abandona a apostila e traz a poesia marginal da periferia para discutir poder e revolta. É a professora de Matemática que, diante da evasão, transforma o cálculo de juros do cartão em arma contra a exploração cotidiana. É a ousadia de trocar o protocolo pelo humano.

O crime foi transformar a formação continuada em mais uma carga. Em certificados para preencher tabelas de secretarias, em horas obrigatórias cumpridas com vídeos monótonos enquanto se corrigem provas até a madrugada. Esta formação “de fachada” ignora o essencial: o professor da rede pública luta diariamente contra a desesperança institucionalizada. Exigir-lhe “inovação” sem dar tempo, apoio psicológico, salário digno e autonomia real é cinismo puro. Não se forma um educador com pílulas de motivação.

A formação que resgata é aquela que parte da ferida aberta. Que transforma a sala dos professores, não a virtual, mas a real, com café frio e cadeiras quebradas, em espaço sagrado de troca. Onde o docente esgotado pode expor sua dúvida brutal: “Como ensinar frações para quem não teve café da manhã?”. Onde o erro pedagógico não é vergonha, mas matéria-prima para reconstrução coletiva. Precisa-se menos de tutoriais de tecnologia e mais de escuta qualificada sobre o luto dos alunos após a violência do bairro. Menos teorias importadas e mais ferramentas para lidar com a inclusão real em turmas de 45 alunos.

Exige-se tempo pago para respirar, estudar “o que importa”, e não apenas correr atrás de metas abstratas. Exige-se mentoria contínua, não de palestrantes distantes, mas de colegas experientes que conhecem o peso da lousa rachada. Exige-se gestores que não cobrem planilhas, mas que protejam horários para estudo profundo e acompanhem o chão da sala, não como fiscais, antes, como parceiros que também sujam os sapatos de giz. Exige-se políticas que liguem formação a carreira, sim, mas não pela acumulação de certificados. Pelo reconhecimento tangível daquele professor que, no meio do caos, fez um aluno acreditar que a palavra pode ser sua arma.

Ignorar isso é sepultar a escola pública. Enquanto se discute BNCC e plataformas digitais, gerações de professores são consumidas pelo cansaço e pelo descaso. Alunos seguram celulares com internet 5G em salas sem ventilador. Não há inovação pedagógica que sobreviva ao sucateamento material e simbólico.

A formação continuada do professor da rede básica não é um curso. É a espinha dorsal de qualquer projeto sério de nação. Ou se investe nela como prioridade existencial. com recursos, tempo, respeito e ligação visceral com a realidade das escolas, ou continuaremos a perder, dia após dia, não apenas professores, mas a própria ideia de futuro comum. O caminho é áspero, mas começa no chão da sala de aula, olhando nos olhos de quem ainda resiste. O resto é retórica vazia.

Àqueles que não sentem o peso da falta de professores, por todas as razões aqui descritas, e da falta de prestígio desse grupo de profissionais, sugere-se fortemente que se enveredem pelos árduos caminhos da educação brasileira, pois, só assim compreenderam a importância concreta de tal atividade social e entenderam a quais caminhos levam a retórica da “formação continuada”, isto é, a lugar algum, porém, com ônus, físico, mental e espiritual, para quem deveria receber toda a consideração do conjunto social que ajuda a construir.   

*Thiago Barbosa Soares é analista do discurso, escritor e professor da Universidade Federal do Tocantins.