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Opinião

Thiago Barbosa Soares é analista do discurso, escritor e professor da Universidade Federal do Tocantins (UFT).

Thiago Barbosa Soares é analista do discurso, escritor e professor da Universidade Federal do Tocantins (UFT). Foto: Divulgação

Foto: Divulgação Thiago Barbosa Soares é analista do discurso, escritor e professor da Universidade Federal do Tocantins (UFT). Thiago Barbosa Soares é analista do discurso, escritor e professor da Universidade Federal do Tocantins (UFT).

Atualmente, quem pode dizer que a comunicação social é desimportante? As redes virtuais de postagem de conteúdo não excluem o jornalismo, ao contrário, potencializam seu alcance no tempo e no espaço. Contudo, ao pensar em comunicação social como veículo de produção e disseminação de informação atualizada, entende-se que haja uma técnica para formação do jornalista e, por extensão, da própria redação de um dado acontecimento relevante para o público, tanto geral quanto especializado (embora o jornalismo em sua concepção tradicional seja compreendido como produtor de notícias para o público mais amplo). Com isso, pretende-se dizer que o mero lançamento de dados ou informações em plataformas de socialização, sem o devido cuidado e tratamento, não deve ser considerado jornalismo, uma vez que essa prática deve seguir um código de conduta ética condizente com sua importância e responsabilidade social.   

A aceleração cada vez maior da transmissão das informações impõe uma tarefa árdua ao jornalista, qual seja, a de filtrar o conjunto de ocorrências importantes para transformá-lo em matérias, com uma redação com certo cálculo acerca do próprio objeto noticiado, seus envolvidos e os possíveis impactos no circuito coletivo de tal acontecimento, sem deixar de considerar as prioridades regionais, como política, segurança pública, e educação, entre outras. O jornal virtual Conexão Tocantins é um bom exemplo de portais de comunicação social que trabalham justamente nesse direcionamento. Desse modo, o jornalismo possui uma missão que ultrapassa a simples veiculação de informações, ou seja, precisa costurar o espaço social com aquilo que lhe concerne, dando-lhe o devido liame de conhecimentos sobre o que se passa ao torno da população. Porém, com tamanha missão, pode-se perder o caminho, ou pior, pode-se criar percursos alternativos, como a reprodução automática de matérias, quase ipsis litteris, já publicadas em outros periódicos. 

Já que existem obliterações calculadas, silenciamentos planejados e seleções pré-estabelecidas, entre outros procedimentos empregados em confecção de matérias, pode-se dizer que há tendenciosidade nas notícias? Não necessariamente, uma vez que são procedimentos inerentes aos próprios mecanismos enunciativos-textuais de produção de sentidos, todavia, não se pode furtar ao fato de que existe, sim, uma crescente homogeneização do jornalismo brasileiro. Do que se trata tal equiparação entre direcionamentos ideológicos (homogeneização) em vários veículos midiáticos? Trata-se de pautas que antecedem à própria confecção da notícia. Tais pautas, na verdade, são fundamentações discursivas acerca do que se vai dizer, isto é, alguns problemas sociais já possuem determinadas causas e, eventuais, soluções, como, por exemplo, o próprio Estado. 

Se, como afirma Michel Foucault, o poder não é apenas repressivo, mas sobretudo produtivo, é inevitável reconhecer que o jornalismo opera como uma engrenagem estratégica na produção de verdades. As notícias não apenas relatam acontecimentos: constituem realidades, definem marcos de interpretação e instauram regimes de visibilidade. Nesse direcionamento, cada pauta selecionada e cada narrativa construída participa de uma rede de micropoderes que disciplinam o olhar coletivo, orientando não apenas o que se deve saber, mas também o que deve permanecer à margem da atenção pública.

O discurso jornalístico, ao se apresentar como relato neutro e objetivo, oculta a sua condição de prática enunciativa marcada por relações de força. Não se trata, como Foucault demonstrou, de buscar uma essência de verdade, antes, de perceber como determinados enunciados ganham o estatuto de verdadeiros enquanto outros são descartados como irrelevantes, duvidosos ou mesmo perigosos. Assim, o jornalismo funciona como um dispositivo que administra a escassez da visibilidade, definindo quem terá voz, quem será silenciado e sob quais condições o dizer se torna legítimo.

O risco que se impõe, portanto, é que o jornalismo, ao alinhar-se demasiadamente a certos polos de poder político ou econômico, perca sua função crítica e torne-se apenas mais um vetor de homogeneização discursiva. Quando a pluralidade dissolve-se em consensos fabricados, o campo jornalístico deixa de ser espaço de questionamento e passa a reproduzir, quase maquinalmente, os discursos dominantes. A função social do jornalismo, nesse cenário, precisa ser resgatada pela crítica constante de seus próprios procedimentos e pelo compromisso ético com a diversidade de perspectivas que compõem o tecido social.

Encerrar essa reflexão implica afirmar que o jornalismo, para permanecer digno de sua relevância, deve aceitar o desafio foucaultiano de desconfiar das verdades prontas e dos lugares de fala consagrados. A chave de ouro não está em proclamar a imparcialidade como dogma, porém, encontra-se em cultivar a consciência de que toda narrativa é atravessada por relações de poder. Assumir tal percepção compromissada com o coletivo é devolver ao jornalismo seu papel de espaço público de resistência, onde o ato de narrar não se reduz a informar, antes, amplia-se como exercício de cidadania e emancipação crítica.

*Thiago Barbosa Soares é analista do discurso, escritor e professor da Universidade Federal do Tocantins (UFT).