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Opinião

  Leo Braga é professor do Curso de Relações Internacionais da Faculdade Mackenzie Rio.

Leo Braga é professor do Curso de Relações Internacionais da Faculdade Mackenzie Rio. Foto: Divulgação

Foto: Divulgação   Leo Braga é professor do Curso de Relações Internacionais da Faculdade Mackenzie Rio. Leo Braga é professor do Curso de Relações Internacionais da Faculdade Mackenzie Rio.

No último domingo, 21 de setembro, Reino Unido, Canadá e Austrália reconheceram a Palestina como Estado e, no dia 22 de setembro, a França também o fez – algo já feito por mais de 140 países, desde 1988 até os dias de hoje. O que isso significa? Como avaliar as implicações desse ato de reconhecimento à luz do cenário internacional contemporâneo, seja pela guerra entre Israel e Hamas, seja pela posição dos EUA no mundo, seja pelos limites enfrentados pela ONU?

O governo britânico havia se posicionado que reconheceria Palestina como Estado caso Israel não favorecesse negociações de paz e não cessasse a ação militar na Faixa de Gaza dadas as violações de direitos humanos como, por exemplo, a dificuldade de manutenção de ajuda humanitária na região.

O governo britânico considera que sua decisão não se refere ao Hamas, que continua sendo considerado como grupo terrorista e que deve liberar os reféns israelenses. Contudo, há de se analisar a ação do reconhecimento da Palestina como Estado a partir de suas implicações e não somente as suas causas.

Em que pese um aspecto das causas vinculadas ao governo britânico para o reconhecimento do Estado palestino – sua inevitável mea culpa dado o antigo Mandato Britânico da Palestina – há outro a saber: a pressão sobre o governo de Israel para negociações de paz e fim da guerra atual no oriente Médio diante dos horrores produzidos contra a população civil na Faixa de Gaza.

Ainda sobre as causas, se a defesa da “solução de dois Estados” é causa importante, a oportunidade britânica de assim proclamá-la – e reconhecer o Estado palestino – poderia ter sido garantida há bastante tempo e não apenas agora, uma vez que os demais países vêm reconhecendo a Palestina como Estado desde 1988 (Brasil o fez em 2011).

A oportunidade britânica de reconhecimento do Estado palestino parece muito feliz, apesar, talvez, um tanto inócua: e daí reconhecer o Estado Palestino? Moralmente, constitui ato de (eventual) “reparação histórica”. Politicamente, o reconhecimento britânico do Estado palestino defende a necessária proteção de direitos humanos e serve como pressão a Israel, o que provoca aumento do seu isolamento político.

Ainda, em termos políticos, a posição britânica projeta, igualmente, pressão sobre os EUA na defesa da solução dos dois Estados, sem que caiba ao Reino Unido definição da questão. Vale lembrar que o reconhecimento de um novo Estado como componente das Nações Unidas depende do encaminhamento por parte do Conselho de Segurança da ONU à Assembleia Geral para votação.

Hoje, dos cinco Estados que são membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU, China, Rússia, Reino Unido e França reconhecem Palestina como Estado, mas os EUA não reconhecem. Sem o voto afirmativo de nove países dos quinze do Conselho de Segurança, incluindo os cinco membros permanente citados, não há reconhecimento na ONU do Estado Palestino. O reconhecimento passa a ser bilateral – país a país, como tem sido.

E sobre as implicações? Bem, Aqui as coisas complicam um pouco. Saímos da situação confortável de prestar apoio à causa palestina (e não ao Hamas) para a “solução dos dois Estados” e da ação necessária de reparação histórica britânica e chegamos nos efeitos ou mensagens que isso pode gerar.

As ações de reconhecimento do Estado palestino em função do exercício de pressão sobre Israel – em que pese a seriedade dos argumentos em defesa inquestionável de direitos humanos, especialmente, da população civil na Faixa de Gaza – correm risco de produzir efeito indesejado.

Assim, oportunizar que ações ilegítimas e ilegais (ataque terrorista do Hamas a Israel) respondidas por outras ações igualmente ilegítimas e ilegais, a partir de certo ponto (violação de direitos humanos na ofensiva israelense contra o Hamas) justifiquem, legitimem e legalizem ações inaceitáveis e que demandas justas sejam satisfeitas por procedimentos injustos.

A filosofia ocidental apresenta-nos esse debate do direito da guerra (jus ad bellum) e do direito na guerra (jus in bello) desde os pensadores medievais (Santo Agostinho e São Tomás de Aquino), passando pelos modernos (Hugo Grotius) e chegando aos contemporâneos (John Rawls). A chamada Teoria da Guerra Justa trabalha, então, com as causas justas e os meios justos de ir à guerra e de como proceder na guerra.

Mas, importa pensar nas implicações para a ordem internacional: o que se produz como normatividade, como legitimidade para as relações internacionais quando da validação dos atos injustos? Não se discute aqui o reconhecimento do Estado palestino enquanto tal, mas o momento e ao argumento de se fazê-lo, agora. Quase 75% dos países da ONU já reconhecem a Palestina como um Estado. Não se trata disso. Trata-se do momento e do que se pode trazer como implicação de prática internacional.

Em que caiba a percepção crítica e necessária da violação de direitos humanos que se passa na Faixa de Gaza, não é possível corrigir um erro gerando incentivos contra a ordem internacional. Novamente, se vários são os países que reconhecem o Estado Palestino desde 1988, fazê-lo agora pode constituir movimento um tanto incauto porque pode confundir reação aos excessos israelenses (no direito na guerra e não do direito da guerra) e busca pela solução pacífica do conflito com validação daqueles excessos cometidos pelo Hamas, que vê sua causa sendo validada por ações que não deveriam ser igualmente validadas.

A posição que se apresenta moralmente confortável e politicamente correta do reconhecimento do Estado palestino deveria ser contraposta a outros recursos que a comunidade internacional pudesse vislumbrar para produzir conciliação e paz no conflito que se segue no Oriente Médio.

Por um lado, cria-se incongruência quando se atesta ser o Hamas grupo terrorista, mas se reconhece o Estado palestino. Por outro lado, cria-se outra incongruência quando se garante o direito à defesa por parte de Israel, mas não se consegue administrar suas medidas. No final, é menos sobre Israel e sobre Palestina. No final das contas, é sobre o que a comunidade internacional pode entender como causa justa, meios justos e produção de uma ordem internacional que congregue valores humanos.

*Leo Braga é professor do Curso de Relações Internacionais da Faculdade Mackenzie Rio.