Em meio ao turbilhão da existência, em que a humanidade se vê frequentemente perdida entre escolhas e consequências, surge, tal qual um farol em tempestade, a figura arquetípica do velho sábio. Este não é meramente um ancião, mas uma encarnação de experiência, uma síntese de erros e acertos que se materializa para oferecer não respostas prontas, mas perguntas mais pertinentes. Na esfera da literatura fantástica, nenhuma personagem corporiza este arquétipo com tanta majestade e solidez quanto Gandalf, o Cinzento, de J.R.R. Tolkien. A sua jornada ao lado dos protagonistas de O Senhor dos Anéis serve como metáfora suprema para aqueles encontros transformadores que pontuam a vida comum.
Gandalf não é um deus onisciente, mas um guia. A sua sabedoria não se manifesta através de decretos infalíveis, mas por meio de sugestões, provocações e uma paciência que transcende a urgência imediata. Ele compreende que a verdadeira maturidade nasce do exercício do livre-arbítrio, ainda que custoso. Ao confiar o Anel a Frodo, um hobbit aparentemente frágil, ele não está a isentar-se da responsabilidade, mas a reconhecer que algumas batalhas devem ser travadas pela inocência que ainda não foi corrompida pelo cinismo. É o mestre que, conhecendo o caminho, opta por caminhar ao lado, iluminando a trilha com o seu cajado, mas permitindo que o discípulo tropece e se levante. Esta é a essência do conselho sábio: não carregar o fardo alheio, mas fortificar o ombro que o suportará.
Esta figura, contudo, não é privilégio da Terra-média. Ela ressoa em outras narrativas com igual potência. O próprio Merlin das lendas arturianas, moldando um rei a partir de um jovem impulsivo; ou o Obi-Wan Kenobi de Star Wars, introduzindo um Luke Skywalker ingênuo aos mistérios da Força; e mesmo o Professor Dumbledore na saga de Harry Potter, cujas orientações são, frequentemente, enigmas a serem desvendados pela própria coragem do aluno. Em comum, todos partilham a mesma função: são catalisadores. Não resolvem o conflito, mas preparam o herói para enfrentá-lo, pois a sua presença é, por definição, transitória. A sua partida, seja pela morte, pelo retiro ou pelo simples dever noutra frente, é o teste final que consolida o aprendizado.
Na tessitura do quotidiano, estes "Gandalfs" não vestem mantos nem brandem varinhas. Surgem sob a forma do professor universitário que, numa conversa de corredor, abre uma vereda intelectual antes impensável; do avô que, num domingo tranquilo, partilha uma história aparentemente simples, mas carregada de um ethos profundo; do chefe experiente que, em vez de dar a ordem, pergunta: "O que você acha que deve ser feito?". São faróis de lucidez momentânea que surgem quando a névoa da indecisão se torna mais densa. Eles não vivem as nossas vidas por nós, mas questionam as nossas certezas, ampliam os nossos horizontes e, o mais crucial, acreditam em nosso potencial mesmo quando nós mesmos duvidamos.
Assim, a grandiosidade de Gandalf enquanto arquétipo reside precisamente na sua humanidade transcendente. Ele personifica a verdade de que a sabedoria não é um dom estático, mas um rio de experiências que deve fluir para irrigar terrenos áridos. Encontrar o próprio "Gandalf", seja numa obra de ficção, seja na figura de um mentor real, é um rito de passagem universal. É o reconhecimento de que, em certos cruzamentos do caminho, a jornada individual precisa da centelha de um outro que já percorreu veredas semelhantes. E, tal como Frodo que partiu de Condado, é após esse encontro que a vida comum adquire a profundidade de uma epopeia, e o viajante descobre que estava, afinal, mais preparado do que supunha, graças ao breve, porém eterno, clarão de um cajado na escuridão.
*Thiago Barbosa Soares é analista do discurso, escritor e professor da Universidade Federal do Tocantins.

