O jogo de palavras do título reflete, além de uma brincadeira linguística, dois campos. Uma estética voltada para o fim da beleza ou mesmo para uma última compreensão do belo. Outra estética na qual todos os objetos são belos igualmente e, por essa razão, a estética não é mais necessária e chegou ao seu fim. Com essa ligeira explicação, o leitor pôde perceber que existem lugares específicos para as representações, sejam linguísticas, sejam estéticas.
Como a estética possui um conjunto enorme de áreas de atuação, podemos restringir sua reflexão voltando-a à música.
A música de hoje é um tanto quanto distinta de ontem. Ninguém pode negar que o conteúdo e a forma sofreram transformações significativas. Machado de Assis, no conto Um homem célebre, explica as diferenças entre música popular e música erudita, ao narrar o profundo desejo de Pestana, protagonista da obra, em busca por criar uma composição ao nível de Mozart, Beethoven, Bach. Porém, para a sorte de Pestana, sua fama se deu por meio de músicas populares, descritas na narrativa como polcas (uma variação de músicas de quadrilha no final de 1890).
Pestana, conhecedor de diferentes estéticas musicais, certamente pensaria que os tempos contemporâneos alcançaram um novo patamar musical.
No Brasil, onde predomina o sertanejo em todas as suas vertentes depressivas, irrisórias e autodepreciativas, o rap ganhou estatuto reconhecido pela academia. Esse estilo musical não é cantado, como em muitos outros, mas falado. As curvas de entoação são muito próximas à fala cotidiana. Suas letras retratam, principalmente, as adversidades concretas de pessoas comuns. Quer dizer, com pouca técnica, pode-se fazer músicas desse estilo.
Sobre o rap, muito provavelmente, Pestana diria se tratar de um estilo vulgar por exigir menos elaboração, tanto por sua forma, não cantada, quanto por seu conteúdo, com poucas figuras de linguagem. Em outras palavras, falta técnica a esse estilo.
Adorno, em O fetichismo na música e a regressão da audição, já havia verificado uma fetichização da música norte-americana ao final da década de 1940. Para o autor e outros da mesma escola filosófica, a música que deixou de tratar de grandes temáticas, que deixou de servir ao sublime dos sentidos auditivos, que se separou da alta cultura, encontra-se em degeneração e, tal manifestação artística, representa uma sociedade também corrompida.
Ora, os estilos musicais circulantes em uma sociedade representam-na. Se uma sociedade não é estimulada a ouvir o violino, a harpa e o violoncelo e, consequentemente, não gosta desses instrumentos, não pode ser chamada de degenerada. Na pior das hipóteses, pode ser chamada de “desprovida” de padrões estéticos tradicionais, ou melhor, para seguir a cartilha, padrões estéticos elitistas.
Todavia, Pestana, ao se deparar com um estilo musical único do Brasil, o funk, certamente acreditaria que o grau de representação da cultura brasileira encontrou seu apogeu. Adorno, se pudesse analisar esse fenômeno musical brasileiro, compreenderia com nitidez as estruturas sociais e culturais que formam o País tupiniquim.
Em defesa do funk, alguém poderá dizer que ele é, geralmente, cantado. Claro, quando possui letra. Para além de qualquer emissão de juízo de valor sobre esse estilo musical, pode-se dizer que sua expressão justifica apenas a última parte do título deste artigo. Mas só pode afirmar que o fim da estética foi encontrado, se esse estilo for colocado no mesmo patamar dos outros... quais? Ora, aqueles que são virtuosos e belos, aqueles que, no dia a dia, concorrem com o funk... Se o leitor conseguiu achar estilos musicais melhores, parabéns, encontrou a estética do fim, se não, lamentavelmente, descobriu o fim da estética.
*Thiago Barbosa Soares é analista do discurso, escritor e professor da Universidade Federal do Tocantins.