Nos últimos anos, o chamado “estelionato sentimental” tem ganhado espaço no noticiário e, cada vez mais, nas discussões jurídicas. Trata-se de uma prática cruel: alguém finge estar apaixonado — muitas vezes por meio de aplicativos ou redes sociais — com o objetivo de tirar proveito financeiro da outra pessoa. E, com a popularização dos relacionamentos digitais, infelizmente, os casos só aumentam.
Em fevereiro deste ano, a Câmara dos Deputados passou a analisar o Projeto de Lei nº69/25, que propõe incluir o estelionato sentimental como crime específico, com punições mais severas. A proposta define essa conduta como a simulação de um vínculo amoroso para obter vantagem econômica ou material. Para se ter uma ideia da dimensão do problema, dados do Ministério da Justiça revelam que, só em 2022, cerca de 30% dos estelionatos registrados no Brasil estavam ligados a fraudes amorosas.
E a Justiça começou a reagir. No último dia 20 de maio, a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) tomou uma decisão importante: reconheceu, pela primeira vez, o chamado “estelionato emocional”. No julgamento do Recurso Especial nº 2.208.310/SP, os ministros concluíram que o réu havia agido de forma premeditada, enganando a vítima com falsas promessas de amor, apenas para obter dinheiro. A relatora, ministra Maria Isabel Gallotti, ressaltou que, embora não se tratasse de um processo criminal, o caso trazia todos os elementos típicos do estelionato: engano, fraude e vantagem ilícita. Foi um marco — e um sinal claro de que o Judiciário está atento ao uso da boa-fé nas relações afetivas como meio para golpes.
Casos assim têm se tornado cada vez mais comuns. Em setembro do ano passado, um homem foi preso no Distrito Federal acusado de aplicar golpes em pelo menos 37 mulheres que conheceu por meio de aplicativos. O prejuízo estimado ultrapassou R$ 50 mil. O padrão se repete: envolvimento rápido, declarações intensas, histórias comoventes e, logo depois, pedidos de dinheiro. E quase sempre com vítimas que acreditaram estar vivendo um relacionamento sincero.
Esses golpistas sabem como explorar a fragilidade emocional. Uma das estratégias mais comuns é o chamado love bombing: exageros afetivos nos primeiros dias de contato, mensagens constantes, promessas de futuro. Quando a confiança está estabelecida, surgem as “estórias tristes” e os pedidos de ajuda financeira.
Curiosamente, esse tipo de golpe não é novidade na ficção. No clássico francês As Ligações Perigosas (1782), adaptado ao cinema por Milos Forman, em 1989, personagens manipulam afetos e sentimentos alheios para alcançar objetivos próprios. Já em O Talentoso Ripley, de Patricia Highsmith, o protagonista assume identidades falsas para conquistar confiança e obter vantagens. A diferença é que, hoje, esses enredos saíram dos livros e das telas para se tornarem parte do dia a dia — e com consequências reais e dolorosas.
Por isso, o alerta é necessário. Desconfie de amores muito rápidos, evite transferências de dinheiro sem checagem, e, acima de tudo, não hesite em buscar ajuda se suspeitar de um golpe. Em tempos de conexões digitais, proteger o coração também é uma forma de proteger o bolso.
*Marcelo Santoro Almeida é professor de Direito de Família da Faculdade Presbiteriana Mackenzie Rio.