A chamada "progressão continuada", equivocadamente naturalizada como uma política pedagógica inclusiva, tem-se mostrado, na prática, uma engenharia do fracasso escolar. Embalada por um discurso de aparente proteção à autoestima dos alunos e de combate à evasão, essa medida tem sido implementada de modo mecânico e generalizado nos sistemas de ensino da maioria dos estados brasileiros. Entretanto, por trás da retórica benevolente da não reprovação automática, esconde-se uma fragilização institucional da autoridade do professor e a institucionalização da indiferença pedagógica.
A proposta que avança na Câmara dos Deputados para vetar a promoção automática no ensino fundamental e médio, alterando a Lei de Diretrizes e Bases (LDB/1996), embora cercada por atores políticos controversos, como Nikolas Ferreira e Bibo Nunes, escancara uma questão incontornável: a progressão automática, em sua forma atual, retira do processo educativo a necessária mediação avaliativa e pedagógica que deveria ser conferida, primariamente, ao docente. Quando um sistema educacional desloca o foco da aprendizagem para o simples avanço cronológico do aluno nas séries, corrompe-se o princípio fundamental de que ensinar e aprender demandam esforço, acompanhamento e responsabilidade mútua.
É sintomático que, paralelamente, outra proposta legislativa vise permitir a reprovação por mau comportamento, independentemente do desempenho acadêmico. Ainda que essa medida demande cautela para não incorrer em arbítrios, ela revela uma urgência que o modelo atual ignora: o ambiente escolar não é apenas um espaço de transmissão de conteúdos, mas um lugar de formação ética e cidadã. O comportamento, nesse sentido, também é parte constitutiva da aprendizagem. E ao ser negligenciado por uma lógica que, muitas vezes, busca evitar "conflitos" em nome da permanência a qualquer custo, compromete-se a própria função formadora da escola.
Não é demais lembrar que a progressão automática, em sua essência original, não era um dispositivo de impunidade pedagógica, mas uma tentativa de romper com a lógica da reprovação como punição e com a cultura do fracasso escolar como filtro social. No entanto, ao ser implementada de forma acrítica e generalizada, acabou por se converter no extremo oposto: banalizou-se o não aprender. Em vez de políticas robustas de recuperação, acompanhamento individualizado e valorização da docência, entregou-se ao professor a tarefa contraditória de ensinar sem o poder de avaliar com consequências reais. Em muitos casos, o docente se torna um mero mediador administrativo de uma aprovação já decidida por norma, e não por mérito.
Dizer não à progressão automática como está implementada não é um clamor pelo retorno da pedagogia punitiva ou da lógica meritocrática cega, mas uma exigência por seriedade no trato com a educação pública. Exigir que os alunos sejam avaliados com rigor, que possam ser reprovados quando necessário, sempre com vistas à aprendizagem e não à punição, é um gesto de compromisso com a formação de sujeitos críticos e autônomos. E é, sobretudo, um gesto de respeito à docência, cuja autoridade tem sido sistematicamente corroída por políticas que a enfraquecem sob o véu de uma suposta modernização.
Ao contrário do que muitos imaginam, a valorização do professor começa por reconhecer sua palavra como legítima e sua avaliação como soberana no processo educacional. Sem isso, qualquer reforma educacional será apenas mais um expediente tecnocrático que ignora a realidade das salas de aula, onde, entre o ideal pedagógico e o cotidiano escolar, há uma distância que só se percorre com trabalho sério e com autoridade reconhecida.
*Thiago Barbosa Soares é analista do discurso, escritor e professor da Universidade Federal do Tocantins (UFT).