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Opinião

Thiago Barbosa Soares é analista do discurso, escritor e professor da UFT.

Thiago Barbosa Soares é analista do discurso, escritor e professor da UFT. Foto: Divulgação

Foto: Divulgação Thiago Barbosa Soares é analista do discurso, escritor e professor da UFT. Thiago Barbosa Soares é analista do discurso, escritor e professor da UFT.

O item lexical “lógica” é amplamente utilizado por praticamente todos. O senso comum o incorporou como sinônimo de razão suficiente para explicar a gigantesca maioria dos fenômenos existentes. Nesse direcionamento explicativo, o emprego do termo “lógica” é um tipo de cisão teórica, não moral, entre o certo, lógico, e o errado, ilógico ou mesmo com falta de lógica. Prova disso, é a expressão “isso não tem lógica” (que em muitas localidades de Minas Gerais é equivalente à “não tem base”). Todavia, do que se trata efetivamente a lógica? Seu poder é absoluto quanto a maioria acredita ser? Seria a lógica a única maneira de produzir conhecimento legítimo?

Essa apropriação vulgar da lógica como instrumento de evidência absoluta manifesta-se frequentemente no cotidiano. É comum, por exemplo, ouvir frases como “Se ela está sempre sorrindo, é lógico que está feliz” ou “Se ele é religioso, então logicamente é uma boa pessoa”. Tais raciocínios, embora possuam aparência coerente, operam sobre premissas frágeis e não formalizadas, carregadas de inferências sociais, afetivas ou morais que nada têm de logicamente necessárias. Do mesmo modo, em ambientes escolares, muitos afirmam que “se o aluno estudou, era lógico que tiraria nota alta”, desconsiderando variáveis como ansiedade, condições sociais ou critérios subjetivos de avaliação. No discurso político, não raro se diz que “se é contra a violência policial, então é a favor da criminalidade”, um falso dilema que ignora nuances e produz simplificações ideológicas mascaradas de raciocínio lógico. Esses exemplos evidenciam como o senso comum tende a revestir com o selo da lógica conclusões que, no fundo, carecem de rigor formal, operando mais como retórica de convencimento do que como inferência válida.

Na verdade, a lógica, em sua essência formal, não se ocupa com a veracidade empírica do conteúdo das proposições, mas sim com a coerência interna entre elas. Trata-se de um sistema normativo que determina condições de validade inferencial, isto é, de como, a partir de certas premissas, pode-se deduzir conclusões que estejam formalmente vinculadas àquelas. Tal delimitação implica que a lógica não investiga se as proposições são verdadeiras ou falsas em relação ao mundo, mas se são corretamente articuladas umas às outras segundo regras sintáticas e semânticas previamente estabelecidas.

Desse modo, a lógica não garante que as premissas sejam verdadeiras ou qualquer que sejam as frases, isso é tarefa de outras instâncias, como a experiência empírica ou a fundamentação metafísica. Ela apenas assegura que, sendo verdadeiras as premissas, a conclusão necessariamente o será, em um sistema válido. Trata-se, portanto, de uma disciplina formal e estrutural, cuja preocupação não é a realidade em si, mas a organização racional do discurso.

Tal distinção é fundamental para evitar o reducionismo epistêmico que confunde validade lógica com verdade ontológica. A lógica opera no âmbito da necessidade formal, não dá contingência do real. Quando se exige da lógica a correspondência com a realidade, comete-se uma falácia de categoria, pois se transfere a um sistema de regras simbólicas uma função que pertence à experiência vivida, à ciência empírica ou à especulação filosófica. A verdade, nesse caso, não é produto da inferência, mas da justificação contextualizada, histórica e, por vezes, até mesmo hermenêutica. A lógica, nesse sentido, não diz o que é o mundo, mas apenas como podemos raciocinar corretamente sobre proposições, independentemente de seu conteúdo empírico. A pretensão de fazer da lógica um absoluto epistemológico é, portanto, um gesto de reificação do pensamento, que ignora o fato de que o mundo excede os limites do formalismo e do dedutivismo.

Assim, se se tomasse a lógica como critério absoluto de realidade, cair-se-ia na armadilha de considerar o real como uma extensão da linguagem formalizada, o que, como alertava Wittgenstein em sua crítica à metafísica do “Tractatus”, converteria o mundo em uma espécie de projeção lógica do pensamento. Ora, se a realidade fosse redutível à lógica, ela se transformaria, paradoxalmente, em um conceito, em um sistema fechado e autoexplicativo, destituído de alteridade, de acaso e de contradição, elementos constitutivos do vivido e do histórico.

Portanto, a lógica, enquanto sistema de regras que regula a transitividade de proposições, não deve ser confundida com um espelho da realidade. A confusão entre coerência lógica e verdade ontológica (verdade vivenciada pela experiência) produz uma sobreposição indevida entre o plano do discurso e o plano do ser. Como já indicava Heidegger, entre outros filósofos, a verdade não pode ser reduzida à correspondência ou à coerência, pois ela também se manifesta como desvelamento, como abertura do ser ao pensamento, algo que escapa aos estreitos limites da lógica formal. A lógica, assim, é instrumento, potente, necessário, mas não suficiente para o conhecimento do complexo de relações concretas. O mundo, afinal, escapa à completude de qualquer sistema.

*Thiago Barbosa Soares é analista do discurso, escritor e professor da Universidade Federal do Tocantins (UFT).